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São Paulo, quarta-feira, 12 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por que lutar pelos salários

PAULO PEREIRA DA SILVA

Manter a estabilidade econômica é importante, e isso se faz com o controle do déficit público e da inflação, mas levar tal política adiante com o sacrifício, principalmente, dos trabalhadores assalariados é, além de injusto, uma incoerência deste governo, eleito com o compromisso de reverter o dramático quadro social do país. Se os trabalhadores continuarem esperando o bolo crescer para começar a comê-lo, como defendia Delfim Netto, se a renda não for mais bem distribuída e se continuarmos assegurando um enorme superávit fiscal apenas para garantir o pagamento dos juros, alimentando a fome espantosa dos bancos, estaremos, perdoem a expressão, literalmente ferrados.
Ficamos preocupados com a escalada dos preços nos últimos meses. Semana passada, a Fipe divulgou que a inflação de janeiro chegou a 2,19%, a maior taxa nos meses de janeiro desde o início do Plano Real. No primeiro mês deste ano, tivemos reajuste de 21,40% nas tarifas de ônibus de São Paulo e de 18,70% nas passagens do metrô, aumento do IPTU que chega a 20% e aumento dos preços da gasolina, do gás de cozinha e do telefone. A remarcação dos preços atinge principalmente os bens consumidos pelo trabalhador assalariado.
A persistente alta dos juros do crédito à pessoa física, que chegam a 141% ao ano, torna ainda pior, um verdadeiro martírio, a vida das pessoas comuns, desprovidas de capital e que precisam de crédito para terem acesso aos bens que lhe podem garantir uma vida melhor, condição importante para o exercício da cidadania.
O resultado dessa situação adversa é óbvio: marginalização crescente dos mais pobres e miseráveis, diminuição e até perda total do poder aquisitivo da população e piora na qualidade de vida, já que, sem consumo, a economia perde seu dinamismo e o país deixa de produzir riqueza, desenvolvimento e justiça social.


Com salários baixos e inflação alta, não há consumo; sem consumo, não há crescimento; sem crescimento, há demissões


É justo isso? Claro que não. Portanto, que fique bem claro e transparente: é por isso, e não porque queremos perturbar o governo, que tomamos a decisão de liderar uma campanha salarial de emergência para todos os trabalhadores que tiveram data-base no segundo semestre. Essa campanha será feita juntamente com as categorias com data-base no primeiro semestre. Esses trabalhadores que tiveram aumento no início do ano passado também já viram o dragão inflacionário cuspir fogo nos seus parcos rendimentos.
Um levantamento do Dieese mostrou que os metalúrgicos de São Paulo, que obtiveram reajuste de 10,26% em novembro, já perderam mais da metade desse valor em apenas dois meses. É que o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), mesmo indicador usado para corrigir os salários, acumulou 6,18% somente nos meses de novembro e dezembro. E, se as projeções se mantiverem, os metalúrgicos verão todo o reajuste conquistado há poucos meses virar pó até fevereiro.
Resultado: além de perder o reajuste em apenas quatro meses, os metalúrgicos terão de esperar até novembro para ter novo aumento. A inflação até lá já terá consumido grande parte do seu salário. Citei os metalúrgicos, mas caso semelhante acontece com os químicos, os padeiros, os têxteis, os gráficos, os comerciários, entre outros. Já conversamos com a CBTE, que também aceitou participar da campanha. Conversamos com a CGT e vamos procurar a SDS e a CUT. Acreditamos que essa luta é de todos nós, representantes dos trabalhadores. Não é justo vermos somente os trabalhadores serem punidos e apenas uma parte da sociedade pagar a conta.
Muitos críticos têm argumentado que, com tal campanha, estaríamos alimentando e fortalecendo a volta da inflação. Isso é uma falácia. A inflação já voltou. É injusto dizer que queremos a indexação e que isso tem viés político. Queremos apenas repor nossas perdas. O governo tem a obrigação de criar um mecanismo que segure esse dragão, cujo poder de corrosão conhecemos muito bem. Se o governo não segura a inflação, não podemos segurar os salários.
Vale insistir na idéia: com salários baixos e inflação alta, não há consumo. Sem consumo, não há crescimento econômico. Sem crescimento, há demissões. É claro que, feitas as reformas estruturais (previdenciária, tributária e fiscal) -que sempre apoiamos e nunca são feitas-, melhora o ambiente econômico. Mas, se formos esperar por isso para recompor perdas salariais, voltaremos, mais uma vez, à cruel teoria do bolo. Não foi para isso, claro, que ajudamos a eleger o presidente Lula.
É por isso, então, que vamos lutar pelo que é justo e urgente. A estabilidade econômica é, sem sombra de dúvida, importante. Mas salário digno e empregos também são. É isso que a Força Sindical defende e continuará defendendo, qualquer que seja o governo.

Paulo Pereira da Silva, 46, é presidente da Força Sindical. Foi candidato a vice-presidente da República na chapa de Ciro Gomes (PPS).


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