São Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

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MARCOS NOBRE

Fechar Guantánamo

AS GUERRAS no Iraque e no Afeganistão praticamente desapareceram do debate nos EUA. É como se a batalha na opinião pública já tivesse sido ganha contra Bush.
Mas as coisas não são tão simples assim. Junto com o Iraque veio a prisão de Guantánamo, base americana em Cuba em que estão os prisioneiros do que é chamado pelos conservadores de "guerra contra o terror". Em Guantánamo se torturou, em Guantánamo os prisioneiros não são formalmente acusados nem têm direito a habeas corpus.
Os quatro principais candidatos à indicação já se manifestaram a favor do fechamento da prisão. Fechar Guantánamo é certamente importante, mas não resolve o problema de base: a violação flagrante de direitos fundamentais. É bastante possível que se chegue finalmente a um julgamento depois de mais de sete anos da invasão do Afeganistão. Mas em que condições?
Veja-se o caso de Omar Ahmed Khadr. De cidadania canadense, tinha 11 anos quando foi enviado a um campo de treinamento da rede terrorista Al Qaeda. Em 2002, aos 15 anos de idade, foi preso pelas tropas americanas no Afeganistão e enviado a Guantánamo. Ainda menor, foi submetido a tratamento cruel e degradante. Omar Khadr tem hoje 21 anos e foi oficialmente considerado "inimigo combatente", o que permite dar início a seu processo como um criminoso de guerra.
É difícil saber qual violação dos direitos fundamentais é a mais grave. Um menor de idade processado por um Tribunal Militar? Negar-lhe amplo direito de defesa? Processar como maior de idade alguém que foi enviado para a guerra aos 11 anos de idade? Fazer a maioridade recém-atingida retroagir a 2002 para processá-lo como adulto? Considerar ações terroristas como ações de guerra?
E Guantánamo não é hoje um caso isolado. A França acaba de aprovar uma lei que permite, em princípio, manter encarcerado pelo resto da vida um prisioneiro mesmo depois de cumprida sua pena.
Décadas de luta para introduzir princípios como o da ressocialização do preso estão em xeque pelo retorno maldisfarçado de idéias turvas como a da "periculosidade" de uma pessoa. O princípio de que uma nova lei não pode retroagir para agravar a situação de uma pessoa condenada anteriormente foi inteiramente desconsiderado.
O conservadorismo do governo Bush pode ter sofrido um duro golpe. Mas ser seguido pela França não é pouca coisa. Quem sabe Lula não pode perguntar algo disso em seu encontro de hoje com o presidente Sarkozy para discutir a situação dos presos brasileiros que cruzaram a fronteira da Guiana em busca de ouro.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna


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