São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2011

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RUY CASTRO

Apagando o Yolanda

RIO DE JANEIRO - A estação do morro do Adeus, no teleférico do Complexo do Alemão, vai ganhar um painel em homenagem a Noel Rosa. Nos anos 30, Noel foi um dos primeiros brancos a subir os morros -a pé, pelas trilhas, picadas e escadinhas- para compor com seus sambistas, um deles Cartola. E nenhum outro, até hoje, teve mais parceiros negros.
A foto usada no painel é aquela clássica, em que Noel está de terno branco, camisa preta, gravata branca -quase um gângster de filme da Warner- e acendendo um cigarro. No painel do morro do Adeus, o cigarro de Noel será apagado eletronicamente. Espero que não o substituam por um pirulito.
Os politicamente corretos atacam outra vez. Para eles, é feio mostrar Noel fumando. Seria mau exemplo para os jovens, que, por causa dele, poderiam querer fumar também. Isto num país em que a legalização da maconha é defendida até na TV. Uma provocação: se Noel estivesse acendendo um baseado, e não suas marcas favoritas, Yolanda e Liberty ovais, podia?
Noel fumava três maços por dia e, em suas autocaricaturas, sempre se desenhava fumando. Bebia cerveja Cascatinha (que chamava de água benta) e cachaça. Passava as noites no Mangue, na Lapa, em Vila Isabel, onde houvesse birita, violão, mulheres e amigos. Acordava com o dia longe, raramente via o sol. E se alimentava muito mal. Essa receita de suicídio levou-o à tuberculose e à morte aos 26 anos. Levou-o também a ser Noel Rosa.
A soma disso é sua obra. Em apenas sete anos e meio de vida musical (de 1930 a meados de 1937, quando morreu), compôs 259 sambas -cerca de 35 por ano, ou mais de um a cada 15 dias. Muitos deles, obras-primas. Em média, nem Ary Barroso e Cole Porter produziram tanto. Soa falso e bobo tentar "corrigir" sua imagem pelos padrões de saúde de hoje. Noel Rosa fumava e era Noel Rosa.


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