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São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A cidade e os homens

RIO DE JANEIRO - Dois dias passados em Brasília, logo após o Carnaval, e caí em fundas e profundas meditações sobre a existência humana como um todo e sobre a minha existência em particular.
A cidade, monumental para os urbanistas, mas fantasmagórica para os visitantes, era realmente um fantasma, produto cenográfico sem texto e sem atores, apenas com a estupenda iluminação de um sol selvagem que a inunda e destaca o vazio de tudo.
Todos estavam fora -foi assim que me explicaram aquele deserto de alvenaria e asfalto. O forasteiro sempre estranha que não haja gente nas ruas, mas é uma ilusão, a cidade ferve de fofocas e de negócios, todos se procuram e se visitam por isso ou por aquilo. Mas, durante o Carnaval, a debandada é como o estouro da boiada euclidiana, todos voltam às suas origens, que, em termos de Brasília, deixam de ser origens e se transformam em "bases".
Fui ao Catetinho, nunca tinha entrado dentro daquilo que inicialmente foi chamado de Palácio de Tábuas. Hoje é um pequeno museu, pasteurizado, mas dando conta da vida dos pioneiros que lá moraram com a responsabilidade de convocar outros pioneiros, abrigá-los, alimentá-los, orientá-los na construção de uma cidade ainda improvável e aparentemente inútil.
Muita água correu e muito dinheiro rolou, mas, em termos de grande história, tudo deu certo. Olhei aquelas camas de cenobita, as panelas e os bules que serviam as refeições, os lampiões que iluminavam as plantas de cada obra. O que fazia eu naquela época, na Copacabana dos anos 50, no jornal em que trabalhava e que esculhambava aquele sonho faraônico? Os anos 50 passaram, passou a Copacabana dos inferninhos e do beco das Garrafas, o jornal acabou, eu acabei. E Brasília ali estava, fosforescente à noite e, de dia, iluminada pelo sol, um sol cheio de pasmo pela obstinada loucura dos homens.


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