|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
A cidade e os homens
RIO DE JANEIRO - Dois dias passados
em Brasília, logo após o Carnaval, e
caí em fundas e profundas meditações sobre a existência humana como
um todo e sobre a minha existência
em particular.
A cidade, monumental para os urbanistas, mas fantasmagórica para
os visitantes, era realmente um fantasma, produto cenográfico sem texto
e sem atores, apenas com a estupenda iluminação de um sol selvagem
que a inunda e destaca o vazio de tudo.
Todos estavam fora -foi assim que
me explicaram aquele deserto de alvenaria e asfalto. O forasteiro sempre
estranha que não haja gente nas
ruas, mas é uma ilusão, a cidade ferve de fofocas e de negócios, todos se
procuram e se visitam por isso ou por
aquilo. Mas, durante o Carnaval, a
debandada é como o estouro da boiada euclidiana, todos voltam às suas
origens, que, em termos de Brasília,
deixam de ser origens e se transformam em "bases".
Fui ao Catetinho, nunca tinha entrado dentro daquilo que inicialmente foi chamado de Palácio de Tábuas.
Hoje é um pequeno museu, pasteurizado, mas dando conta da vida dos
pioneiros que lá moraram com a responsabilidade de convocar outros
pioneiros, abrigá-los, alimentá-los,
orientá-los na construção de uma cidade ainda improvável e aparentemente inútil.
Muita água correu e muito dinheiro rolou, mas, em termos de grande
história, tudo deu certo. Olhei aquelas camas de cenobita, as panelas e os
bules que serviam as refeições, os
lampiões que iluminavam as plantas
de cada obra. O que fazia eu naquela
época, na Copacabana dos anos 50,
no jornal em que trabalhava e que esculhambava aquele sonho faraônico?
Os anos 50 passaram, passou a Copacabana dos inferninhos e do beco das
Garrafas, o jornal acabou, eu acabei.
E Brasília ali estava, fosforescente à
noite e, de dia, iluminada pelo sol,
um sol cheio de pasmo pela obstinada loucura dos homens.
Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz: Credibilidade em risco Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Política microeconômica Índice
|