São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2007

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RUY CASTRO

Longe da mídia

RIO DE JANEIRO - Faz hoje dez dias que a menina Gabrielli Cristina Eichholz, de 1 ano e 7 meses, foi encontrada estuprada, estrangulada e agonizante, dentro da pia batismal nos fundos de um templo da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Joinville, Santa Catarina. Numa sala ao lado, transcorria um culto religioso. Gabrielli morreu pouco depois.
O caso provocou comoção e revolta em Joinville. Mas, apesar de seu forte conteúdo simbólico -a inocência da menina, a inacreditável violência, a pia batismal-, esse crime, ainda que hediondo, não teve maior dimensão. Você provavelmente soube dele por algum jornal ou telejornal de segunda-feira última. Depois, mesmo que se interessasse pelo assunto, não soube mais nada. A mídia nacional abandonou a história.
O fato é que, até agora, ninguém o convidou para uma passeata pela paz, em protesto contra o assassinato de Gabrielli. Ninguém lhe ofereceu uma tarja negra para usar a caminho do trabalho, em sinal de luto pela morte dela. E, embora tenham acontecido vários jogos de futebol durante a semana em seu Estado, nenhum deles guardou um minuto de silêncio em memória da menina.
Da mesma forma, Gabrielli não foi matéria de capa em nenhuma revista semanal. Juristas, pedagogos, cronistas e donas-de-casa ainda não escreveram sobre ela nas páginas de opinião dos jornais. E, por enquanto, nenhum filósofo propôs o suplício lento ou a pena de morte para seu assassino -o qual, aliás, não sabemos quem é ou se já foi encontrado.
Não houve missa de sétimo dia por Gabrielli em nenhuma cidade do país que não Joinville. Sendo assim, pode-se dizer que não deverá haver missa de trigésimo dia.
Gabrielli foi morta em Joinville e lá foi enterrada, longe da mídia e do Brasil. Mas, ainda assim, no Brasil.


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