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RUY CASTRO
Longe da mídia
RIO DE JANEIRO - Faz hoje dez
dias que a menina Gabrielli Cristina
Eichholz, de 1 ano e 7 meses, foi encontrada estuprada, estrangulada e
agonizante, dentro da pia batismal
nos fundos de um templo da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, em Joinville, Santa Catarina. Numa sala ao
lado, transcorria um culto religioso.
Gabrielli morreu pouco depois.
O caso provocou comoção e revolta em Joinville. Mas, apesar de
seu forte conteúdo simbólico -a
inocência da menina, a inacreditável violência, a pia batismal-, esse
crime, ainda que hediondo, não teve maior dimensão. Você provavelmente soube dele por algum jornal
ou telejornal de segunda-feira última. Depois, mesmo que se interessasse pelo assunto, não soube mais
nada. A mídia nacional abandonou
a história.
O fato é que, até agora, ninguém o
convidou para uma passeata pela
paz, em protesto contra o assassinato de Gabrielli. Ninguém lhe ofereceu uma tarja negra para usar a
caminho do trabalho, em sinal de
luto pela morte dela. E, embora tenham acontecido vários jogos de futebol durante a semana em seu Estado, nenhum deles guardou um
minuto de silêncio em memória
da menina.
Da mesma forma, Gabrielli não
foi matéria de capa em nenhuma
revista semanal. Juristas, pedagogos, cronistas e donas-de-casa ainda não escreveram sobre ela nas páginas de opinião dos jornais. E, por
enquanto, nenhum filósofo propôs
o suplício lento ou a pena de morte
para seu assassino -o qual, aliás,
não sabemos quem é ou se já foi
encontrado.
Não houve missa de sétimo dia
por Gabrielli em nenhuma cidade
do país que não Joinville. Sendo assim, pode-se dizer que não deverá
haver missa de trigésimo dia.
Gabrielli foi morta em Joinville e
lá foi enterrada, longe da mídia e do
Brasil. Mas, ainda assim, no Brasil.
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