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JOSÉ SARNEY
Internet
e as flores
NESTA SEMANA , participei
de um seminário sobre "As
Novas Mídias e a Crise do
Modelo Político". A curiosidade
geral era sobre como a internet está modificando nossa sociedade.
Refleti sobre as mudanças durante os anos da minha vida. Sou da
geração que viu dois séculos, a
maior guerra mundial e as transformações que nos levaram até a
sociedade de informação, na qual
não pensamos mais individualmente, mas nos tornamos um
ser coletivo.
Comecei no lápis, na pena bico
de pato, com direito a tinteiro, a caneta-tinteiro, com uma bolsa de
borracha acionada para acumular
tinta, a revolução da esferográfica,
até todas as formas de hoje, da ponta porosa até o bico de balão.
A máquina de escrever batendo
teclas manuais, depois elétrica, até
abandonar-se tudo e ficar escravo
do computador. Um retângulo que
cabe na palma da minha mão me
permite falar com quem quiser em
qualquer lugar do mundo. Com um
e-mail mando mensagens, converso, opino.
Aí, mergulhando na pesquisa,
vou encontrar um mundo de informações tão vasto que me faz perder
a verdade, porque são tantas verdades que nos oferecem que é difícil
saber qual é a verdade. Talvez daí
por que Dom Miguel de Unamuno,
há cem anos, tenha dito no seu livro "Do Sentimento Trágico da Vida" que a pergunta mais profunda
do "Novo Testamento" é a de Pilatos: "O que é a verdade?".
Nasci numa pequena vila perdida no interior da Amazônia onde só
havia a comunicação do fio que
atravessava os campos e dava ao telegrafista condições de, duas vezes
por dia, código Morse, receber
mensagens. Depois, aos sete anos,
ouvi fascinado o rádio, um único na
cidade a atrair toda a população para saber notícias da Guerra da Espanha e, quando a estática fazia
aquele zumbido enorme, o farmacêutico José Alvim explicava: "É tiro do lado republicano".
Tudo se transformou, e vivemos
um mundo em transformação e
transformado, com TV e vídeos.
Hoje estou conectado com o Twitter e o YouTube, recusando a ficar
para trás, corro a vista em alguns
blogs. A mídia da internet, que era
alternativa, hoje disputa o papel de
principal. A notícia em tempo real
faz os jornais ficarem velhos no
mesmo dia do nascimento.
Mas o que mais me admirou nos
últimos dias foi o que li num boletim econômico do BB: a cotação
das flores. Elas eram inspiração
dos poetas e hoje são objeto de
mercado. Ali está escrito: "Que tipos de flores estão em alta neste
verão?". Resposta: "Eu destacaria
as alpínias, as bromélias e a cúrcuma". É a Bolsa das Flores.
Tudo mudou. E recordo que minha mãe conversava com elas, e Hipócrates, o sábio da medicina, cinco séculos antes de Cristo, aconselhava falar com as flores -hoje, até
pela internet.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras
nesta coluna.
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