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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Banco Central deve ser autônomo?

SIM

A miopia e a autonomia

ROBERTO LUIS TROSTER

A importância da autonomia do nosso Banco Central está ligada ao porquê de o Brasil ainda enfrentar tantos problemas econômicos, enquanto boa parte do resto do mundo se desenvolve mais rapidamente. Existem pontos positivos e avanços, porém menores que a média mundial e com um custo social elevado. Estamos cada vez mais longe dos mais ricos, e países com potencial menor que o nosso avançam mais rápido. Nossa história econômica é uma sequência de crises das mais variadas com alguns suspiros de crescimento; nosso desempenho é pífio.
Há quem culpe fatores externos pelas nossas dificuldades, tais como a guerra no Iraque ou as recomendações de organismos internacionais. Mas, se esses são fatores que afetam os demais países também, por que sentimos seus efeitos de forma mais contundente?
A resposta está na nossa miopia econômica; ou seja, enxergamos bem de perto, mas não vemos longe. Apagamos bem incêndios, mas quase não olhamos para as nossas questões estruturais de forma consistente e profunda. Nas últimas décadas, desenvolvemos conhecimento em administrar problemas, somos muito hábeis e criativos para enfrentar crises e apresentar soluções heterodoxas. Mas temos dificuldade em amadurecer mudanças estruturais que nos façam crescer. A questão da autonomia do Banco Central do Brasil é um dos melhores exemplos dessa falta de visão do longo prazo.
O problema é grave e ocorre por uma falta de preocupação e de ação com relação ao nosso futuro. É fato que a inflação tem sido o maior freio para uma retomada do crescimento sustentado do Brasil e tem limitado severamente seu potencial econômico, prejudicando todas as camadas produtivas, especialmente as mais pobres. Mesmo assim, ainda há setores que são complacentes com a inflação e criam pressões políticas para postergar o custo da estabilização definitiva de preços: conceder autonomia ao BC, imunizando-o dessas pressões e tentações políticas conjunturais, permitindo que seus integrantes posterguem a popularidade imediata em troca de benefícios duradouros.
A evidência disponível mostra de forma inequívoca a relação positiva entre autonomia do Banco Central e estabilização de preços. Não há nem sequer um exemplo de país que tenha conseguido crescer de forma sustentada com inflação de dois dígitos. Na década passada, muitos países tiveram sucesso alterando o status jurídico-institucional de seus bancos centrais como parte do esforço para erradicar definitivamente a inflação. No Brasil, essa questão está na ordem do dia em razão da aprovação da PEC 53, que altera o artigo 192 da Constituição, permitindo que a Lei de Autonomia do Banco Central seja encaminhada ao Congresso.
Uma lei de autonomia do BC envolve pontos importantes e complexos, dos quais se destacam a responsabilidade por definir a meta de inflação; a decisão sobre como alcançar a meta; a capacidade econômico-patrimonial de operar os instrumentos financeiros; a autonomia orçamentária; a transparência; a governança; as relações do Banco Central com outras instituições; e a diretoria -demarcação de direitos, estrutura, duração, nomeação e remoção. São questões que devem ser discutidas por toda a sociedade para que o arcabouço legal do BC que surgir dos debates seja um pilar do nosso desenvolvimento.
Ainda assim, há críticos que afirmam que a autonomia implica uma perda de independência do governo, sem explicitar a que tipo de independência se referem. Convém lembrar que a independência, ordinariamente, refere-se tanto à proteção dos interesses do país como de seu governo, implicitamente assumindo que ambos se confundem. Na prática, isso não acontece, porque os interesses imediatos (leia-se popularidade) e pressões (leia-se politicagem) do governante se contrapõem aos interesses duradouros da sociedade (leia-se estabilidade e crescimento sustentado), no caso da moeda. A crítica da perda de independência não tem muita razão de ser; não faz sentido limitar a autonomia do BC como objetivo em si mesmo.
Uma estabilidade de preços é condição para poupança e investimento de longo prazo, mas exige paciência e determinação. Não estamos vivendo uma grande crise, mas tampouco estamos experimentando a bonança consistente com nosso potencial. Os problemas atuais são transitórios e o país vai crescer este ano e mais ainda em 2004. A nossa capacidade de desenvolvimento é grande e temos excelentes condições de prosperidade, que não devem mais ser desperdiçadas. Para isso é necessário pensar sistematicamente no nosso futuro e apressar a aprovação da autonomia do Banco Central.
Lembrando a letra da música que a seu tempo soava como protesto, "quem sabe faz a hora, não espera acontecer". O bordão ainda vale.


Roberto Luis Troster, 52, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos).


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