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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Banco Central deve ser autônomo?
SIM
A miopia e a autonomia
ROBERTO LUIS TROSTER
A importância da autonomia do
nosso Banco Central está ligada ao
porquê de o Brasil ainda enfrentar tantos problemas econômicos, enquanto
boa parte do resto do mundo se desenvolve mais rapidamente. Existem pontos positivos e avanços, porém menores
que a média mundial e com um custo
social elevado. Estamos cada vez mais
longe dos mais ricos, e países com potencial menor que o nosso avançam
mais rápido. Nossa história econômica
é uma sequência de crises das mais variadas com alguns suspiros de crescimento; nosso desempenho é pífio.
Há quem culpe fatores externos pelas
nossas dificuldades, tais como a guerra
no Iraque ou as recomendações de organismos internacionais. Mas, se esses
são fatores que afetam os demais países
também, por que sentimos seus efeitos
de forma mais contundente?
A resposta está na nossa miopia econômica; ou seja, enxergamos bem de
perto, mas não vemos longe. Apagamos
bem incêndios, mas quase não olhamos
para as nossas questões estruturais de
forma consistente e profunda. Nas últimas décadas, desenvolvemos conhecimento em administrar problemas, somos muito hábeis e criativos para enfrentar crises e apresentar soluções heterodoxas. Mas temos dificuldade em
amadurecer mudanças estruturais que
nos façam crescer. A questão da autonomia do Banco Central do Brasil é um
dos melhores exemplos dessa falta de
visão do longo prazo.
O problema é grave e ocorre por uma
falta de preocupação e de ação com relação ao nosso futuro. É fato que a inflação tem sido o maior freio para uma retomada do crescimento sustentado do
Brasil e tem limitado severamente seu
potencial econômico, prejudicando todas as camadas produtivas, especialmente as mais pobres. Mesmo assim,
ainda há setores que são complacentes
com a inflação e criam pressões políticas para postergar o custo da estabilização definitiva de preços: conceder autonomia ao BC, imunizando-o dessas
pressões e tentações políticas conjunturais, permitindo que seus integrantes
posterguem a popularidade imediata
em troca de benefícios duradouros.
A evidência disponível mostra de forma inequívoca a relação positiva entre
autonomia do Banco Central e estabilização de preços. Não há nem sequer um
exemplo de país que tenha conseguido
crescer de forma sustentada com inflação de dois dígitos. Na década passada,
muitos países tiveram sucesso alterando o status jurídico-institucional de
seus bancos centrais como parte do esforço para erradicar definitivamente a
inflação. No Brasil, essa questão está na
ordem do dia em razão da aprovação da
PEC 53, que altera o artigo 192 da Constituição, permitindo que a Lei de Autonomia do Banco Central seja encaminhada ao Congresso.
Uma lei de autonomia do BC envolve
pontos importantes e complexos, dos
quais se destacam a responsabilidade
por definir a meta de inflação; a decisão
sobre como alcançar a meta; a capacidade econômico-patrimonial de operar os
instrumentos financeiros; a autonomia
orçamentária; a transparência; a governança; as relações do Banco Central
com outras instituições; e a diretoria
-demarcação de direitos, estrutura,
duração, nomeação e remoção. São
questões que devem ser discutidas por
toda a sociedade para que o arcabouço
legal do BC que surgir dos debates seja
um pilar do nosso desenvolvimento.
Ainda assim, há críticos que afirmam
que a autonomia implica uma perda de
independência do governo, sem explicitar a que tipo de independência se referem. Convém lembrar que a independência, ordinariamente, refere-se tanto
à proteção dos interesses do país como
de seu governo, implicitamente assumindo que ambos se confundem. Na
prática, isso não acontece, porque os interesses imediatos (leia-se popularidade) e pressões (leia-se politicagem) do
governante se contrapõem aos interesses duradouros da sociedade (leia-se estabilidade e crescimento sustentado),
no caso da moeda. A crítica da perda de
independência não tem muita razão de
ser; não faz sentido limitar a autonomia
do BC como objetivo em si mesmo.
Uma estabilidade de preços é condição para poupança e investimento de
longo prazo, mas exige paciência e determinação. Não estamos vivendo uma
grande crise, mas tampouco estamos
experimentando a bonança consistente
com nosso potencial. Os problemas
atuais são transitórios e o país vai crescer este ano e mais ainda em 2004. A
nossa capacidade de desenvolvimento é
grande e temos excelentes condições de
prosperidade, que não devem mais ser
desperdiçadas. Para isso é necessário
pensar sistematicamente no nosso futuro e apressar a aprovação da autonomia
do Banco Central.
Lembrando a letra da música que a
seu tempo soava como protesto, "quem
sabe faz a hora, não espera acontecer".
O bordão ainda vale.
Roberto Luis Troster, 52, professor titular do
Departamento de Economia da PUC-SP, é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira
das Associações de Bancos).
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