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CARLOS HEITOR CONY
Vítimas e cúmplices
RIO DE JANEIRO - No final da semana passada, tida como santa no calendário cristão, quem mora na zona sul do Rio não teve nada de santificado. Durante horas, a população ficou entregue a um bando de traficantes
dispostos a brigar pelo controle da
droga naquela favela -a maior do
Rio- e, por extensão, a maior em todo o território nacional. Como grande
negócio, a droga não é mais um problema municipal ou estadual, mas federal, para não dizer mundial.
Não entendo nada de nada, mas
ouço por aí que o tráfico é responsável
por 90% da atual onda de violência.
Os 10% restantes ficam por conta de
maridos traídos que surram suas mulheres, funcionários que dão pequenos
desfalques, motoristas irritados com a
própria barbeiragem ou com a barbeiragem alheia.
A geografia do Rio, principalmente
na zona sul, limitada pelo mar e pelos
morros, criou corredores que servem
indistintamente aos dois brasis que
conhecemos -o Brasil classe média e
o Brasil miserável.
O grande apêndice urbano que é a
Barra depende basicamente de duas
portas de entrada e saída -a avenida Niemeyer e os túneis que cortam o
morro Dois Irmãos.
Cinco marginais, fardados ou não,
com armas que nem precisam ser sofisticadas nem do exclusivo uso das
Forças Armadas, podem estrangular
em dois minutos todo o fluxo urbano,
tornando reféns 1 milhão de pessoas
(população presumível da faixa litorânea, que vai do Leme às praias mais
distantes da costa atlântica do Rio).
Isso sem falar naqueles que moram
na própria zona do agrião -no Vidigal, por exemplo, que consegue a
proeza de ser uma favela e, ao mesmo
tempo, um bairro da classe média.
Manda a tradição que se culpem o
governo, os sucessivos governos, pela
onda de violência que cresce a cada
dia nas duas grandes cidades brasileiras, São Paulo e Rio. Evidente que alguém tem de ser o culpado. E todos somos as vítimas.
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