São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Vítimas e cúmplices

RIO DE JANEIRO - No final da semana passada, tida como santa no calendário cristão, quem mora na zona sul do Rio não teve nada de santificado. Durante horas, a população ficou entregue a um bando de traficantes dispostos a brigar pelo controle da droga naquela favela -a maior do Rio- e, por extensão, a maior em todo o território nacional. Como grande negócio, a droga não é mais um problema municipal ou estadual, mas federal, para não dizer mundial.
Não entendo nada de nada, mas ouço por aí que o tráfico é responsável por 90% da atual onda de violência. Os 10% restantes ficam por conta de maridos traídos que surram suas mulheres, funcionários que dão pequenos desfalques, motoristas irritados com a própria barbeiragem ou com a barbeiragem alheia.
A geografia do Rio, principalmente na zona sul, limitada pelo mar e pelos morros, criou corredores que servem indistintamente aos dois brasis que conhecemos -o Brasil classe média e o Brasil miserável.
O grande apêndice urbano que é a Barra depende basicamente de duas portas de entrada e saída -a avenida Niemeyer e os túneis que cortam o morro Dois Irmãos.
Cinco marginais, fardados ou não, com armas que nem precisam ser sofisticadas nem do exclusivo uso das Forças Armadas, podem estrangular em dois minutos todo o fluxo urbano, tornando reféns 1 milhão de pessoas (população presumível da faixa litorânea, que vai do Leme às praias mais distantes da costa atlântica do Rio).
Isso sem falar naqueles que moram na própria zona do agrião -no Vidigal, por exemplo, que consegue a proeza de ser uma favela e, ao mesmo tempo, um bairro da classe média.
Manda a tradição que se culpem o governo, os sucessivos governos, pela onda de violência que cresce a cada dia nas duas grandes cidades brasileiras, São Paulo e Rio. Evidente que alguém tem de ser o culpado. E todos somos as vítimas.



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