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São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2003

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VINICIUS TORRES FREIRE

Estelionatos e projetos políticos

SÃO PAULO - Na história recente do Brasil, os resultados das eleições se desdobram em uma curiosa e contraditória síntese de estelionato eleitoral e cumprimento de programas.
A coisa começa já com o governo Sarney (1985-90). Na eleição de governadores e do Congresso de 1986, um plano moribundo, populista e artificial de combate à inflação deu enorme vitória ao PMDB. Depois das urnas, o plano foi desmontado sem pudor. Mas o governo Sarney-Ulysses continuou populista, tentando encaixar num Orçamento e num crescimento econômico precários favores antigos da ditadura, novos direitos sociais e consumo insustentável.
Collor se elegeu com o estelionato da campanha anticorrupção e dizendo que Lula confiscaria poupanças. Mas, de modo alucinado, Collor implantou seu programa de abrir e desregulamentar a economia.
É demasiado dizer que o primeiro FHC se deveu a estelionato, embora a promessa de equilíbrio fiscal tenha sido esquecida. Mas o segundo FHC se deveu à ilusão de sobrevida do real forte. Não se pode, porém, acusar FHC de não cumprir o plano de "desmontar o Estado varguista".
Lula abjurou a fé petista no final da campanha, mas a conversão foi súbita demais para convencer consciências decentes e mesmo o PT. Ora promete uma "segunda fase na economia", social e desenvolvimentista, com o que mitigaria o estelionato eleitoral. Mas mesmo essa tal "segunda onda" tem algum sabor de FHC 2, do consenso (ou opinião majoritária) atucanado sobre políticas públicas, idéia comum a elites econômicas, intelectuais e políticas.
Se a "segunda onda" vier, Lula também fará a síntese de 20 anos de descaminhos e tentativas das políticas públicas no Brasil; tentativas que sofreram pouca influência de um movimento popular forte. Foram mais determinadas pelo mercado, pelas elites cosmopolitas e pelo desejo difuso de menos inflação, mais transparência no gasto público e de universalização de um ou outro serviço público (saúde, educação básica e impulsos de renda mínima).
Que estranha democracia, essa.


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