São Paulo, quarta-feira, 12 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A quem interessa a mordaça?

BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA

Foi como diretor de Relações Institucionais da TFP que escrevi meus anteriores artigos neste jornal. Hoje, a título pessoal, venho analisar a precipitada seqüência de acontecimentos que levaram, na prática, ao amordaçamento (por quanto tempo?!) da TFP. Isso no preciso momento em que o termo -e a realidade- "mordaça" se vai tornando recorrente em nosso panorama político. Há tempos, um grupo de dissidentes da TFP, que passou a colaborar ativamente com figuras destacadas do progressismo católico, vem travando contra a entidade uma traiçoeira e inescrupulosa campanha. Enquanto se afastam dela no plano ideológico, pretendem controlar seus quadros diretivos, numa atitude contraditória e suspeita.
Empreenderam tais dissidentes uma espúria batalha judicial, que tornaram cada vez mais tumultuada e confusa. Depois de verem muitos de seus anseios negados na própria Justiça, inopinadamente, alcançaram esses dissidentes dominar a TFP, através de uma assembléia de sócios, totalmente irregular, e de uma decisão judicial surpreendente e controversa, contrária à jurisprudência amplamente dominante. Assim, encontra-se a TFP amordaçada, pois não é difícil perceber que, controlada por pessoas que publicamente e nos próprios tribunais manifestaram sua oposição ideológica à mesma TFP, esteja esta na prática silenciada.


A TFP sempre desempenhou um papel primordial no espectro ideológico do Brasil


Afinal, a quem interessa verdadeiramente essa mordaça?
A TFP sempre desempenhou um papel primordial no espectro ideológico do Brasil, reconhecido até por muitos que dela discordam. No campo político-social, por meio de uma oposição de caráter ideológico aos fatores desagregadores da sociedade, gestados pelo socialismo e pelo comunismo. No campo religioso, pela denúncia das tendências e das táticas do progressismo teológico e do "esquerdismo católico", infiltrados no seio da santa igreja.
Sob a direção de Plinio Corrêa de Oliveira, a TFP não se cansou de apontar a atuação de sentido marcadamente revolucionário da esquerda eclesiástica encastelada na CNBB, visando instrumentalizar o Estado a serviço de sua cruzada sem cruz. Também não se cansou a TFP de apelar aos "bispos silenciosos" para que rompessem a ilusória unanimidade de esquerda no seio do episcopado nacional, que deixava perplexos tantos fiéis.
Atualmente, a "esquerda católica" encontra-se incrustada em pontos-chave do Estado, ao mesmo tempo em que articula diversos dos ditos "movimentos sociais". Com essa dupla atuação, tenta de modo encarniçado impor ao Brasil seu projeto totalitário, que passa obrigatoriamente por uma reforma agrária socialista e confiscatória.
Há pouco, d. Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, fez declarações que escancaram as intenções dessa "esquerda católica". Afirmou ele que é legítimo invadir propriedades rurais, mesmo produtivas, pois tais ações apontam para a nova legislação que o país deve adotar; e, após reconhecer que o agronegócio sustenta as finanças do país, atacou-o impiedosamente por impedir a "democratização" da terra, acrescentando que, onde "está a modernidade, está também o maior atraso".
Tais afirmações, que incluíram ataques frontais ao Judiciário, não deixam dúvidas quanto à radicalidade e até ao fanatismo desse projeto sociopolítico. Ou seja, o incentivo à violação da lei e da ordem estabelecida, a eliminação em grande escala da propriedade privada e a construção de uma sociedade "miserabilista" oposta ao sadio progresso. Tudo com vistas a encaminhar o Brasil para um regime similar ao "paraíso" cubano-castrista, que Frei Betto e outros líderes do "esquerdismo católico" apresentam despudoradamente como "modelo" de pobreza evangélica.
Não há mister de uma especial argúcia política para discernir a quem interessa, agora, o silenciamento da TFP no quadro ideológico do Brasil.
Tal silenciamento, entretanto, cria um problema de conseqüências imprevisíveis, já que é delicado alterar o equilíbrio de influências na opinião pública, sobretudo em um país de forte índole religiosa como o Brasil, consagrado por meu tetravô, d. Pedro 1º, a Nossa Senhora Aparecida. Se atropelos judiciais ou golpes políticos escusos podem a curto prazo ter sucesso, criam eles feridas profundas na vasta gama do público conservador e católico que, longe dos holofotes da publicidade, tem na TFP sua voz e sua vez.
Sei que o senhor núncio apostólico no Brasil tem em mãos uma missiva em que lhe são expostas as conseqüências que acarretará a ruptura do equilíbrio que a Santa Sé vem procurando manter, particularmente no pontificado de Sua Santidade o papa João Paulo 2, entre setores progressistas e conservadores. E a perplexidade que assalta tantos fiéis ao perceberem que tal operação de silenciamento da TFP tem como instrumento imediato um grupo de pessoas que explora o apoio pontifício que recebe para sua organização e cujas atitudes são bem pouco condizentes com o Evangelho do qual se dizem arautos.

Bertrand de Orleans e Bragança, 63, é tetraneto do imperador dom Pedro 1º (dombertrand@terra.com.br).


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