São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 2006

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JOSÉ SARNEY

O Brasil não é Malvinas

Ninguém pode alterar a geografia. Brasil e Bolívia estão ligados por decisão do Criador. Com a Bolívia, temos a nossa maior faixa de fronteira, dividida em quatro Estados: Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Estamos destinados a viver juntos e irmanados. Em 1867, fizemos o nosso primeiro tratado diplomático. Desde 1938, procuramos ajudá-la a explorar seu petróleo. Não deu certo, porque a Bolívia resolveu entregá-lo aos "trusts" internacionais.
A Bolívia é um país que tem direito a ressentimentos. Tinha uma montanha de prata, Potosí, e os espanhóis a levaram. Tinha territórios no Chaco e na costa chilena e perdeu-os nas guerras do Chaco e do Salitre. Com o Brasil, sempre foi diferente. Nunca tivemos guerra. Negociamos o Acre para legalizar uma situação de fato. A Bolívia já o tinha entregue aos americanos e ingleses, através do Bolivian Syndicate, ao qual indenizamos com 600.000 libras esterlinas. Evitamos, assim, a criação de um país laranja de empresas internacionais e, para isso, invocamos a Doutrina Monroe. Pagamos à Bolívia com um pedaço de Mato Grosso e mais de 2,5 milhões, também de libras.
O Brasil sempre teve uma grande preocupação com a estabilidade e o bem-estar boliviano. Eu tenho autoridade para dizer isso, porque propus ao presidente Reagan um "Plano Marshall" para a Bolívia, do qual participaríamos, e defendi uma ação das Américas para restabelecer sua saída para o mar. Com Paz Estenssoro -o grande patriota-, assinei dez acordos. Negociei com o Paraguai a liberdade de navegação anunciada por Paz Zamora no dia de sua posse. A Bolívia tem de ser viabilizada economicamente, ajudada, respeitada, ter condições de participar do projeto de integração latino-americana.
Na década de 90, a Bolívia ofereceu suas refinarias em leilão internacional. Davam prejuízo, e o país não tinha dinheiro para investir. Não apareceu comprador. Então, o presidente Fernando Henrique, na mesma continuidade da política de ajudar, aceitou o apelo boliviano para adquiri-las. Aportamos capital e tecnologia. Viabilizamos o negócio de gás, construímos gasodutos e investimos US$ 1,5 bilhão. Durante o governo Mesa, houve interesse do governo boliviano em mudar sua política e em se associar conosco. O Brasil aceitou. Votaram então a Lei de Hidrocarbonetos, aumentando impostos e rompendo acordos. A Petrobras responde por 15% do PIB da Bolívia e por 20% de toda a sua arrecadação, além de dez mil empregos.
Nunca o Brasil teve nenhuma política imperialista com a Bolívia. Entramos para ajudar e porque fomos solicitados. Nossas comissões de fronteira funcionam muito bem, com perfeito intercâmbio entre as populações. Nosso mercado está aberto para a Bolívia, dando-lhe potencial infinito para desenvolver-se.
Acho que a política do presidente Lula de negociar é certa. A de ajudar, também. A de não declarar hostilidade à Bolívia, mais ainda. Agora, o que não se pode é admitir que, para as eleições da Constituinte boliviana, se procure um vilão, como os militares argentinos procuraram as Malvinas. Esse é o jogo dos inimigos da integração latino-americana, que devem estar de sorriso aberto com Tabaré Vázquez querendo sair do Mercosul e com a Bolívia brigando com o Brasil.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br


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