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JOSÉ SARNEY
O Brasil não
é Malvinas
Ninguém pode alterar a geografia. Brasil e Bolívia estão ligados
por decisão do Criador. Com a Bolívia, temos a nossa maior faixa de fronteira, dividida em quatro Estados:
Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul.
Estamos destinados a viver juntos e
irmanados. Em 1867, fizemos o nosso
primeiro tratado diplomático. Desde
1938, procuramos ajudá-la a explorar
seu petróleo. Não deu certo, porque a
Bolívia resolveu entregá-lo aos
"trusts" internacionais.
A Bolívia é um país que tem direito a
ressentimentos. Tinha uma montanha de prata, Potosí, e os espanhóis a
levaram. Tinha territórios no Chaco e
na costa chilena e perdeu-os nas guerras do Chaco e do Salitre. Com o Brasil, sempre foi diferente. Nunca tivemos guerra. Negociamos o Acre para
legalizar uma situação de fato. A Bolívia já o tinha entregue aos americanos
e ingleses, através do Bolivian Syndicate, ao qual indenizamos com
600.000 libras esterlinas. Evitamos, assim, a criação de um país laranja de
empresas internacionais e, para isso,
invocamos a Doutrina Monroe. Pagamos à Bolívia com um pedaço de Mato Grosso e mais de 2,5 milhões, também de libras.
O Brasil sempre teve uma grande
preocupação com a estabilidade e o
bem-estar boliviano. Eu tenho autoridade para dizer isso, porque propus
ao presidente Reagan um "Plano
Marshall" para a Bolívia, do qual participaríamos, e defendi uma ação das
Américas para restabelecer sua saída
para o mar. Com Paz Estenssoro -o
grande patriota-, assinei dez acordos. Negociei com o Paraguai a liberdade de navegação anunciada por Paz
Zamora no dia de sua posse. A Bolívia
tem de ser viabilizada economicamente, ajudada, respeitada, ter condições de participar do projeto de integração latino-americana.
Na década de 90, a Bolívia ofereceu
suas refinarias em leilão internacional.
Davam prejuízo, e o país não tinha dinheiro para investir. Não apareceu
comprador. Então, o presidente Fernando Henrique, na mesma continuidade da política de ajudar, aceitou o
apelo boliviano para adquiri-las.
Aportamos capital e tecnologia. Viabilizamos o negócio de gás, construímos gasodutos e investimos US$ 1,5
bilhão. Durante o governo Mesa, houve interesse do governo boliviano em
mudar sua política e em se associar
conosco. O Brasil aceitou. Votaram
então a Lei de Hidrocarbonetos, aumentando impostos e rompendo
acordos. A Petrobras responde por
15% do PIB da Bolívia e por 20% de toda a sua arrecadação, além de dez mil
empregos.
Nunca o Brasil teve nenhuma política imperialista com a Bolívia. Entramos para ajudar e porque fomos solicitados. Nossas comissões de fronteira
funcionam muito bem, com perfeito
intercâmbio entre as populações.
Nosso mercado está aberto para a Bolívia, dando-lhe potencial infinito para
desenvolver-se.
Acho que a política do presidente
Lula de negociar é certa. A de ajudar,
também. A de não declarar hostilidade à Bolívia, mais ainda. Agora, o que
não se pode é admitir que, para as eleições da Constituinte boliviana, se procure um vilão, como os militares argentinos procuraram as Malvinas. Esse é o jogo dos inimigos da integração
latino-americana, que devem estar de
sorriso aberto com Tabaré Vázquez
querendo sair do Mercosul e com a
Bolívia brigando com o Brasil.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
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