São Paulo, terça, 12 de maio de 1998

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Um caminho para a reforma tributária



Os conceitos que sustentam a proposta do imposto único começam a ser aceitos de formageneralizada
MARCOS CINTRA

O imposto único torna-se, a cada momento, a grande e a melhor alternativa para a reforma tributária brasileira. Além de ser o único sistema que garante o fim da sonegação e a dramática redução do "custo Brasil" para governo e contribuintes, seu projeto vem sendo testado empiricamente, comprovando quase tudo o que seus defensores haviam tenazmente pregado no passado.
Ao longo dos últimos oito anos, nos quais se discutiu intensamente a viabilidade de um sistema tributário baseado primordialmente em um só imposto sobre transações financeiras, houve um sistemático avanço da proposta.
As experiências do IPMF e da CPMF atestaram as características de universalidade, economicidade e eficiência de impostos sobre transações financeiras.
A arrecadação da CPMF em 12 meses foi de R$ 8 bilhões, mais da metade de toda a arrecadação do Imposto de Renda das pessoas jurídicas. Não distorceu o funcionamento do mercado, como seus opositores dramaticamente anunciavam que ocorreria. E distribuiu a carga de tributos de forma mais justa, fazendo com que todos pagassem.
A proposta também deu origem ao Simples, imposto único para micro e pequenas empresas. Ainda que testado de forma parcial e altamente excludente, o Simples resultou em mais de 170 mil empresas fora dos porões da marginalidade fiscal, apresentando-se ao fisco para adquirir cidadania tributária.
Contudo o mais surpreendente é que os conceitos que sustentam a proposta começam a ser aceitos de forma generalizada. A esquerda, sempre atenta aos aspectos de equidade tributária, reconhece que, ao eliminar a sonegação, um imposto sobre transações financeiras contribui mais fortemente para uma efetiva redistribuição de renda do que os custosos aparatos burocráticos que modelos tributários convencionais utilizam para combater a evasão.
As manifestações de Roberto Freire e Maria da Conceição Tavares sobre o assunto comprovam a tese do ponto de vista empírico, ao mesmo tempo em que, sob o prisma teórico, Roberto Mangabeira Unger oferece contribuições importantes para sustentar a crescente aceitação da proposta.
Os mais renitentes tributaristas, como Everardo Maciel e Fernando Rezende, também destacam pontos positivos em tributos incidentes sobre transações financeiras, corroborando a atratividade que eles exercem sobre administradores públicos, como Adib Jatene, o governador Eduardo Azeredo e, mais recentemente, José Serra, como suas atitudes parecem indicar, supondo corretos os relatos na imprensa.
O governo está em uma encruzilhada. Por um lado, a sociedade não aceita mais o atual sistema de impostos, que, além de abocanhar fatias crescentes do PIB (deve chegar a 33% em 1998), incide de maneira injusta e desigual sobre os contribuintes, sobrecarrega a economia formal, incha a economia subterrânea, eleva custos de produção e reduz a competitividade do produto nacional, tolhida pela absurda carga burocrática do atual modelo. Por outro, não se vislumbra nas propostas oficiais de reforma nenhuma contribuição para sanar as causas do atual descontentamento do contribuinte.
Nesse dilema, o imposto único surge como alternativa viável para a resolução da crise. Há dúvidas legítimas em relação a seu potencial de arrecadação. Será um imposto sobre transações financeiras isoladamente capaz de gerar arrecadação suficiente para eliminar os demais impostos predominantemente arrecadatórios? A solução foi dada por Augusto Jefferson Lemos, em seu artigo "Reforma fiscal" (vide Marcos Cintra, "Tributação no Brasil e o Imposto Único", págs. 336 a 351, Makron Books, São Paulo, 1994).
Propõe o autor que o imposto único seja transformado em Arrecadação sobre Transações Financeiras. Os atuais impostos passariam a ter declarações de ajuste e recolhimentos anuais. Haveria uma antecipação desses recolhimentos por meio de um sistema de arrecadação em bases correntes sobre todas as transações financeiras, como a atual CPMF. Quando da declaração anual de ajuste, seria permitido compensar a antecipação com os impostos devidos mediante comprovantes bancários, "pagando a diferença ou recebendo a devolução do excesso".
Essa engenhosa adaptação permitiria testar a capacidade arrecadatória do tributo único sem os riscos de desmonte imediato do atual sistema. Com algumas alterações, a proposta pode servir de base para a reforma tributária que todo o país deseja. Se funcionar bem, e isso com certeza ocorrerá, estará aberto o caminho para o imposto único.

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 52, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas e presidente do Partido Liberal em São Paulo. Foi secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do município de São Paulo (administração Paulo Maluf). E-mail: mcintr@ibm.net



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