São Paulo, terça-feira, 12 de junho de 2007

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RENATA LO PRETE

Lula e a nova língua do pê

DO AUGE da crise do mensalão, quando Lula era pintado sem nenhum traço de competência, passou-se ao extremo de descrevê-lo como estrategista brilhante em qualquer situação. O vento sopra a seu favor há tanto tempo que a crônica tem dificuldade em enxergar uma nuvem que seja no céu do presidente.
Tome-se a Operação Xeque-Mate. O irmão foi indiciado. O compadre, preso, está "envolvido até o pescoço", nas palavras do diretor-geral da PF, com a quadrilha dos caça-níqueis. Ainda assim, há quem enxergue nesse quadro só uma nova oportunidade para Lula faturar com o número do "doa a quem doer", um de seus prediletos.
No entanto, por mais que se empenhe em demonstrar que comanda o show, são muitos os sinais de que o governo tem sido surpreendido e incomodado pelos fatos. Não conseguiu, por exemplo, produzir uma narrativa única e crível sobre o momento em que o presidente tomou conhecimento dos apuros de Vavá. Na ânsia de emplacar a versão de que todos souberam de tudo com a devida antecedência, Tarso Genro acabou por atropelar o discurso da "PF independente", outro favorito de Lula. Afinal, se a polícia é assim tão republicana, por que a informação prévia tinha de subir do delegado para o ministro e deste para o presidente?
Até certo ponto, o ritmo frenético da PF beneficia Lula e aliados. Transmite a mensagem do rigor contra o crime a custo zero. Sem desfecho, não há trauma.
Aos poucos, porém, fica claro que a mão que condena é a mesma que absolve. Num domingo, Renan Calheiros está por um fio como subproduto da Operação Navalha; no seguinte, o presidente do Senado ganha refresco à sombra dos indiciados da Xeque-Mate.
Sem dar origem a um único sentenciado por corrupção (de Delúbio a Dario, não "doeu" em ninguém até hoje), a PF começa a ser questionada. E o governo, incapaz de encontrar rumo para a disputa interna na corporação, também. Além disso, Hurricane, Navalha e Xeque-Mate ficarão por aí como fios desencapados. A depender da velocidade da Justiça, podem vir a constranger o Planalto -como ocorre com o inquérito do mensalão, à espera da palavra do STF.
No Brasil, o ciclo das notícias foi sempre ditado pela Presidência -e desde 2003, dado o perfil de Lula, pelo próprio presidente. O Executivo espirra? Primeira página. Há semanas isso não ocorre. A PF engoliu PAC, PDE, Pronasci e demais siglas da nova língua do pê.
Há, por fim, a questão do medo. A dinâmica das operações inquieta políticos, empresários e funcionários públicos. Culpados e inocentes. Acuados reagem de duas formas. Às vezes pagam o preço -em elogios, silêncio ou doações de campanha. Em outras, quando o beco continua sem saída, partem eles também para o espetáculo.


rloprete@folhasp.com.br

RENATA LO PRETE
é editora do Painel .


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