São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O trabalho infantil e o futuro do país

FLORIANO PESARO


No Brasil, cerca de 3 milhões de crianças ainda trabalham. Muitas vezes, submetidas a jornadas superiores a oito horas diárias

ARIANE TEM oito anos e dores nas pernas de tanto trabalhar na roça com os pais, no pobre sertão pernambucano. Já Tomaz, de nove anos, vende balas em um cruzamento da avenida Paulista, a região que concentra o maior PIB do país.
O que essas histórias aparentemente distantes têm em comum? Simbolizam um grave problema que persiste no Brasil e no mundo: o trabalho infantil, que vitima 165 milhões de crianças entre cinco e 14 anos, segundo estimativas globais da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Hoje é o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. O tema da campanha deste ano é a educação, fundamental para o futuro das crianças na atual sociedade do conhecimento.
No passado recente, concebia-se -sobretudo nas áreas mais pobres do país- que crianças trabalhassem para ajudar a completar a renda familiar. "O trabalho enobrece", justificavam-se os pais, que cedo ensinavam seus ofícios aos filhos, seja na roça, seja nas franjas das grandes cidades.
Hoje ninguém mais discute a importância de uma criança ter uma infância de verdade, brincando e indo à escola todos os dias. Cada vez mais, o que vale é o estudo, o conhecimento.
Quanto mais tempo de estudo, maior a remuneração e o desenvolvimento pessoal e social de um povo.
No Brasil, cerca de 3 milhões de crianças ainda trabalham. Muitas vezes, elas são submetidas a jornadas superiores a oito horas diárias e algumas chegam a ganhar menos do que um salário mínimo. Podem ser vistas em carvoarias, mineradoras, na agricultura e até na coleta de lixo -quando não exploradas por adultos no tráfico ou em atividades sexuais.
O que nos aflige é o que o futuro reserva a essas crianças e a todos aqueles que as cercam. Uma pesquisa feita na USP com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) revelou que, quando adulto, quem trabalhou desde os sete anos de idade chega a receber um salário cinco vezes menor do que quem começou a trabalhar aos 14 anos. Some-se a isso o fato de que a imensa maioria desses pequenos trabalhadores não vai à escola. O prognóstico é assustador: estamos formando uma legião de crianças sem futuro.
Apesar da gravidade da situação, devemos aproveitar o dia de hoje para valorizar as ações que já existem no combate ao trabalho infantil no país.
Conhecê-las e multiplicá-las deve ser a meta de quem está engajado em solucionar o problema, seja dentro dos governos, seja na sociedade civil.
Nas grandes cidades brasileiras, é preciso emergencialmente tirar das ruas todas as crianças que pedem esmolas -atividade que as mantêm longe da escola e as incentiva a cair na marginalidade. São Paulo concentra bons exemplos. A campanha "Dê mais que esmola. Dê futuro" vem enfrentando com força um mercado que chega a movimentar R$ 25 milhões por ano -somando-se os valores entregues nos semáforos, que não tiram ninguém da pobreza. Destacam-se, ainda, o "Ação Família - viver em comunidade" e o "São Paulo Protege".
Com o governo federal, a prefeitura também investe e aposta nos programas de transferência de renda para ajudar as famílias dessas crianças.
Essas iniciativas contribuíram para o seguinte resultado: em 2004, havia cerca de 3.000 crianças nas ruas de São Paulo, número que chegou a pouco mais de 900 no ano passado.
A longo prazo, a ação mais efetiva no combate ao trabalho infantil deve ser focada na educação. A própria OIT reconhece que, mais do que nunca, as crianças necessitam de educação de qualidade se desejam adquirir as qualificações necessárias para obterem êxito no mercado de trabalho.
O desafio é conseguir adequar essa necessidade a escolas públicas que não dispõem de recursos, têm instalações limitadas, classes lotadas e carência de bons professores. Tudo isso contribui para um baixo nível educacional e um êxodo alto de estudantes, que acabam empurrados prematuramente para o mercado de trabalho.
Investir na educação é também uma sábia decisão de caráter econômico. Eliminar o trabalho infantil e substituí-lo por uma educação universal oferece grandes benefícios -que, segundo recente estudo, superam os custos em uma relação superior a 6 para 1.
Entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a ONU estabelece um ponto que consideramos fundamental na questão do trabalho infantil: a necessidade de aumentar a sensibilização da sociedade para o problema. Todos nós devemos estar atentos e fazer do trabalho infantil um assunto prioritário.
Além disso, é preciso não dar esmola e, ao constatar essa exploração, chamar a polícia, o conselho tutelar e fazer denúncias ao Ministério Público do Trabalho. Está em jogo o futuro de nossas crianças, o nosso futuro.


FLORIANO PESARO , 40, sociólogo, foi secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (gestões Serra e Kassab).

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