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TENDÊNCIAS/DEBATES
O MST é uma ameaça à democracia?
SIM
Baldeação na estação Finlândia
KÁTIA ABREU
Nem ao menos se pode dizer que a
reforma agrária está para o MST
como Pôncio Pilatos para o Credo. O
procurador da Judéia, pelo menos, estava na cena histórica da Paixão, enquanto o MST explora a reforma agrária apenas como tática; da mesma forma que
poderiam estar usando a crise na universidade, o desemprego urbano, a
questão habitacional. Ou alguém acha
que, sem a possibilidade de conflitos
violentos, os agitadores urbanos que
controlam o MST estariam falando de
reforma agrária?
O MST não se interessa pela reforma
agrária, mas pelo instrumento revolucionário das invasões, com o qual pretende promover seus dois objetivos fundamentais: a contestação da propriedade e o controle do poder. Esse quadro é
tão explícito que não se fala em criar
condições para que, além da posse da
terra, os assentados -ou, para usar a
designação que eles preferem, os invasores- transformem-se em produtores viáveis e prósperos. Não, a reforma
agrária é usada pelo MST como pretexto de luta, exclusivamente.
Acho que é por aqui que a discussão
começa e, tenho a impressão, acaba.
Como tenho arraigadas convicções
democráticas e creio que este país, depois de 20 anos de ditadura militar,
aprendeu o suficiente para nunca mais
voltar ao autoritarismo e me horroriza
qualquer tipo de truculência, prefiro
apelar para os instrumentos da legalidade vigente e confiar nas instituições.
Mas não é possível fugir da discussão
depois que o governo, mesmo informado por seus próprios e insuspeitos canais dos objetivos revolucionários do
MST, adota um processo de negociação
promíscuo e perigoso -a começar pela
entrega de importantes instrumentos
legais e financeiros, como o controle do
Incra por prepostos do próprio MST-
e prossegue com a pantomima imprudente que foi a audiência presidencial.
Tenho eleitores em assentamentos de
reforma agrária no Tocantins, aonde
vou e busco discutir com eles saídas
econômicas para a exploração das suas
pequenas propriedades. Tenho idéias,
propostas, questões e soluções que gostaria muito de apresentar e discutir, mas
não há espaço. Por quê? Ora, porque o
MST é que pauta as discussões, e ficamos no clima do conflito, e não da reforma agrária propriamente dita.
Assim, a discussão sobre a legalidade e
aceitabilidade das invasões parece-me
ociosa. Nossos códigos, e uma vasta legislação, inclusive prevendo especificamente a desapropriação para reforma
agrária, são claros na definição do direito de propriedade e sua posse, caracterização, registro, usos e abusos e os meios
administrativos e judiciais existentes
para defendê-las e preservá-las. E a invasão não é admitida, reconhecida ou
legitimada em nenhuma hipótese. Estamos num Estado democrático de Direito. A propriedade é um direito, e a invasão, um crime.
O mal dos fanáticos é que, indiferentes à realidade, criam fantasias e passam
a vivê-las. No caso do MST, não admitem o fracasso soviético e se pretendem
mais competentes e capazes para reescrever a aventura comunista, reabilitar
o marxismo e reimplantá-lo escoimado
dos erros que consideram razão do fracasso da URSS. Este é o roteiro explícito
do MST. O que ocorre neste momento é
uma encenação tresloucada.
Pedro Stedile imagina-se a reencarnação de Lênin e quer repetir, hoje, no
Brasil, a Revolução Russa de 1917. Acredita que Lula é chefe de um governo
provisório e que a vitória do PT foi apenas um levante popular contra o regime
republicano vigente, envolvendo aliados que devem ser afastados e eliminados quando o MST assumir o pleno
controle do país, transformando o Brasil em Estado socialista.
No momento, Stedile explora as contradições da sociedade brasileira por
meio da reforma agrária, como o próprio Lênin contou com a ajuda da Alemanha para atravessá-la de trem. E as
invasões do MST equivalem à operação
de baldeação, na estação Finlândia, onde Lênin desembarcou "tarde da noite,
no dia 16 de abril", como narra Edmundo Wilson. Stedile-Lênin, com seu "Estado-Maior Revolucionário", acha que
está fazendo a mesma viagem e que, em
dias, o Brasil, seu regime, instituições,
economia -a própria democracia-
ruirão. E ele, Stedile, controlará tudo.
E a reforma agrária? Ora, a reforma
agrária não tem nada a ver.
Kátia Abreu, 41, psicóloga e pecuarista, é deputada federal pelo PFL-TO e presidente da Federação de Agricultura do Estado do Tocantins.
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