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São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O MST é uma ameaça à democracia?

SIM

Baldeação na estação Finlândia

KÁTIA ABREU

Nem ao menos se pode dizer que a reforma agrária está para o MST como Pôncio Pilatos para o Credo. O procurador da Judéia, pelo menos, estava na cena histórica da Paixão, enquanto o MST explora a reforma agrária apenas como tática; da mesma forma que poderiam estar usando a crise na universidade, o desemprego urbano, a questão habitacional. Ou alguém acha que, sem a possibilidade de conflitos violentos, os agitadores urbanos que controlam o MST estariam falando de reforma agrária?
O MST não se interessa pela reforma agrária, mas pelo instrumento revolucionário das invasões, com o qual pretende promover seus dois objetivos fundamentais: a contestação da propriedade e o controle do poder. Esse quadro é tão explícito que não se fala em criar condições para que, além da posse da terra, os assentados -ou, para usar a designação que eles preferem, os invasores- transformem-se em produtores viáveis e prósperos. Não, a reforma agrária é usada pelo MST como pretexto de luta, exclusivamente.
Acho que é por aqui que a discussão começa e, tenho a impressão, acaba.
Como tenho arraigadas convicções democráticas e creio que este país, depois de 20 anos de ditadura militar, aprendeu o suficiente para nunca mais voltar ao autoritarismo e me horroriza qualquer tipo de truculência, prefiro apelar para os instrumentos da legalidade vigente e confiar nas instituições.
Mas não é possível fugir da discussão depois que o governo, mesmo informado por seus próprios e insuspeitos canais dos objetivos revolucionários do MST, adota um processo de negociação promíscuo e perigoso -a começar pela entrega de importantes instrumentos legais e financeiros, como o controle do Incra por prepostos do próprio MST- e prossegue com a pantomima imprudente que foi a audiência presidencial.
Tenho eleitores em assentamentos de reforma agrária no Tocantins, aonde vou e busco discutir com eles saídas econômicas para a exploração das suas pequenas propriedades. Tenho idéias, propostas, questões e soluções que gostaria muito de apresentar e discutir, mas não há espaço. Por quê? Ora, porque o MST é que pauta as discussões, e ficamos no clima do conflito, e não da reforma agrária propriamente dita.
Assim, a discussão sobre a legalidade e aceitabilidade das invasões parece-me ociosa. Nossos códigos, e uma vasta legislação, inclusive prevendo especificamente a desapropriação para reforma agrária, são claros na definição do direito de propriedade e sua posse, caracterização, registro, usos e abusos e os meios administrativos e judiciais existentes para defendê-las e preservá-las. E a invasão não é admitida, reconhecida ou legitimada em nenhuma hipótese. Estamos num Estado democrático de Direito. A propriedade é um direito, e a invasão, um crime.
O mal dos fanáticos é que, indiferentes à realidade, criam fantasias e passam a vivê-las. No caso do MST, não admitem o fracasso soviético e se pretendem mais competentes e capazes para reescrever a aventura comunista, reabilitar o marxismo e reimplantá-lo escoimado dos erros que consideram razão do fracasso da URSS. Este é o roteiro explícito do MST. O que ocorre neste momento é uma encenação tresloucada.
Pedro Stedile imagina-se a reencarnação de Lênin e quer repetir, hoje, no Brasil, a Revolução Russa de 1917. Acredita que Lula é chefe de um governo provisório e que a vitória do PT foi apenas um levante popular contra o regime republicano vigente, envolvendo aliados que devem ser afastados e eliminados quando o MST assumir o pleno controle do país, transformando o Brasil em Estado socialista.
No momento, Stedile explora as contradições da sociedade brasileira por meio da reforma agrária, como o próprio Lênin contou com a ajuda da Alemanha para atravessá-la de trem. E as invasões do MST equivalem à operação de baldeação, na estação Finlândia, onde Lênin desembarcou "tarde da noite, no dia 16 de abril", como narra Edmundo Wilson. Stedile-Lênin, com seu "Estado-Maior Revolucionário", acha que está fazendo a mesma viagem e que, em dias, o Brasil, seu regime, instituições, economia -a própria democracia- ruirão. E ele, Stedile, controlará tudo.
E a reforma agrária? Ora, a reforma agrária não tem nada a ver.


Kátia Abreu, 41, psicóloga e pecuarista, é deputada federal pelo PFL-TO e presidente da Federação de Agricultura do Estado do Tocantins.


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