São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

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GUSTAVO FRANCO

O ocaso do modelo fáustico

NO INÍCIO DA REPÚBLICA, foi tamanha a efervescência empresarial, e especulativa, que se disse que o espírito do capitalismo finalmente chegara ao Brasil, porém desacompanhado da ética protestante. Pouco mais de um século depois, o mesmo comentário parece atual, e fácil de ser exagerado.
Foram vários os surtos de modernização no primeiro século da República. De todos esses episódios sempre se poderá dizer que houve "destruição criadora", e no Brasil em particular, era sempre comum que se apresentassem vítimas do progresso, inocentes e culpadas, a pleitear indenizações.
A introdução do bonde elétrico no Rio, por exemplo, aumentou a velocidade no transporte urbano, e em seus primeiros dias um casal de anciãos foi atropelado ao atravessar as linhas. Machado de Assis cronista observou que não devíamos "concluir contra a eletricidade. Logicamente teríamos de condenar todas as máquinas e, visto que há naufrágios, queimar todos os navios".
Mas, além de perdedores, o progresso também produz predadores, como descrito na famosa parte 2 do Fausto, escrita ao final da vida de Goethe, onde se enxerga um tipo muito particular de capitalismo, que um especialista (Marshall Berman) viria a chamar de "modelo fáustico de desenvolvimento".
Neste figurino, "em vez de deixar empresários e trabalhadores se desperdiçarem em migalhas e atividades competitivas o modelo... criará uma nova síntese histórica entre poder público e poder privado, simbolizada na união de Mefistófeles, o pirata e predador privado, que executa a maior parte do trabalho sujo, e Fausto, o administrador público, que concebe e dirige o trabalho como um todo".
A alegoria é muito rica, mas o perigo a evitar é a condenação do modo de produção capitalista em geral, e de políticas públicas específicas como a privatização, a liberalização, as reformas e mesmo a política industrial. A presença do fraudador não deve servir para invalidar nenhuma dessas políticas; é certo, inclusive, que no modo de produção socialista há muito mais pirata do que nas economias de mercado.
O acidente com o bonde elétrico, assim como o pirata e a fraude, não são parte necessária do progresso. A idéia de que o desenvolvimento brasileiro, no que depende de mecanismos de mercado, precisa ser feito com prejuízo da ética é puro preconceito e falácia semelhante à noção de que a inflação era um lubrificante ou combustível necessário ao capitalismo brasileiro.

gh.franco@uol.com.br


GUSTAVO FRANCO 0escreve aos sábados nesta coluna.


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