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TENDÊNCIAS/DEBATES
A implementação das políticas socioeducativas
indica a maturidade do ECA, que completa 18 anos?
SIM
A caminho da maturidade
BERENICE GIANNELLA
COM A promulgação do ECA em
13/7/90, deu-se concretude ao
texto constitucional de 1988,
que determinou serem a criança e o
adolescente prioridade absoluta. A lei
trata da proteção integral da infância
e juventude, dispondo, entre outros
temas, sobre direitos fundamentais,
políticas de prevenção e atendimento, medidas de proteção, prática do
ato infracional e acesso à Justiça.
O ECA teve aplicação eficaz em alguns pontos; em outros, não. Talvez o
grande avanço esperado na implementação de políticas preventivas
não tenha sido efetivo, considerando
os índices de trabalho infantil -ainda
altos em partes do país- e o número
cada vez maior de crianças e jovens
que usam e traficam drogas.
No entanto, é importante frisar a
evolução das medidas socioeducativas em relação ao Código de Menores
-editado na ditadura com caráter nitidamente repressor. É sobre isso que
trataremos aqui.
O ECA enfatizou que o tratamento
deve ser mais educativo que sancionatório, transformando o adolescente em sujeito de direitos. Daí o papel
crucial das medidas: reinserir os jovens na sociedade, garantindo-lhes
um atendimento socioeducativo, e
não mera punição, como ainda clamam alguns inadvertidamente. Por
outro lado, pugnou-se por um atendimento em rede -abrindo as portas do
sistema socioeducativo para os sistemas educacional, social (Suas) e de
saúde (SUS) e abandonando o conceito de instituição total para o de incompletude institucional.
Nestes 18 anos, a aplicação do ECA
não foi das mais tranqüilas. Houve
demora na adequação das antigas Febens ao compasso da "nova lei", a começar pela separação entre crianças e
adolescentes que merecem proteção
dos adolescentes autores de atos infracionais, o que, diga-se, ainda não se
consolidou em todos os Estados.
No âmbito nacional, o grande avanço foi a edição do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo pelo
Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente,
em 2006, contendo princípios e regras claros para o atendimento. Ainda
falta, porém, uma lei de execução dessas medidas que direcione adequadamente o trabalho dos gestores estaduais e do Judiciário, a quem compete fiscalizar o seu cumprimento.
Em São Paulo, a adaptação foi
igualmente feita com dificuldades,
mas os últimos tempos têm sido pródigos. Desde 1998, o Estado deu início
à política de descentralização, construindo unidades pequenas em vários
municípios. A partir de 2005, o processo ganhou vulto, com a construção
de 34 unidades no interior (outras oito devem ser entregues neste ano),
com capacidade para 56 jovens. A
maioria delas é gerida em parceria
com a sociedade civil, garantindo a
participação efetiva das comunidades
no atendimento prestado. Assim, os
adolescentes hoje, na maioria, estão
em seu município ou região de origem, próximos da família, e não mais
em grandes complexos da capital.
Em 1999, desativou-se o complexo
Imigrantes. Em 2007, o Tatuapé. Em
2008, estamos caminhando para a diminuição da população em todos os
complexos e já não temos superlotação nas unidades da Fundação Casa.
Não fosse a resistência de algumas
prefeituras, teríamos todos os jovens
perto de suas casas.
A mudança foi além, com a adoção
de um modelo pedagógico que, sem
descurar da segurança, privilegia a
educação e o atendimento psicossocial. Estamos caminhando para que o
atendimento a cada jovem siga um
plano individualizado de intervenção,
decidido após um diagnóstico polidimensional. Com tais ações, a reincidência caiu de 29%, em 2006, para
17% no primeiro semestre de 2008.
Rebeliões e denúncias de maus-tratos
foram reduzidas drasticamente.
No Brasil e no Estado, porém, é necessário ampliar as medidas de meio
aberto e semiliberdade, reduzindo internações só para atos infracionais
graves e substituindo-as por atendimentos que facilitem a inclusão.
O papel de São Paulo tem sido importante. Desde 2005, 13 novas unidades de semiliberdade foram abertas e mais de 160 prefeituras associaram-se ao Estado ao municipalizar os
serviços de liberdade assistida, conferindo melhor qualidade ao atendimento prestado.
Portanto, em São Paulo, os 18 anos
do ECA significam maturidade na
consolidação de um atendimento socioeducativo de qualidade.
BERENICE GIANNELLA é mestre em direito processual
penal, procuradora do Estado em São Paulo e presidente
da Fundação Casa.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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