São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A implementação das políticas socioeducativas indica a maturidade do ECA, que completa 18 anos?

SIM

A caminho da maturidade

BERENICE GIANNELLA

COM A promulgação do ECA em 13/7/90, deu-se concretude ao texto constitucional de 1988, que determinou serem a criança e o adolescente prioridade absoluta. A lei trata da proteção integral da infância e juventude, dispondo, entre outros temas, sobre direitos fundamentais, políticas de prevenção e atendimento, medidas de proteção, prática do ato infracional e acesso à Justiça.
O ECA teve aplicação eficaz em alguns pontos; em outros, não. Talvez o grande avanço esperado na implementação de políticas preventivas não tenha sido efetivo, considerando os índices de trabalho infantil -ainda altos em partes do país- e o número cada vez maior de crianças e jovens que usam e traficam drogas.
No entanto, é importante frisar a evolução das medidas socioeducativas em relação ao Código de Menores -editado na ditadura com caráter nitidamente repressor. É sobre isso que trataremos aqui.
O ECA enfatizou que o tratamento deve ser mais educativo que sancionatório, transformando o adolescente em sujeito de direitos. Daí o papel crucial das medidas: reinserir os jovens na sociedade, garantindo-lhes um atendimento socioeducativo, e não mera punição, como ainda clamam alguns inadvertidamente. Por outro lado, pugnou-se por um atendimento em rede -abrindo as portas do sistema socioeducativo para os sistemas educacional, social (Suas) e de saúde (SUS) e abandonando o conceito de instituição total para o de incompletude institucional.
Nestes 18 anos, a aplicação do ECA não foi das mais tranqüilas. Houve demora na adequação das antigas Febens ao compasso da "nova lei", a começar pela separação entre crianças e adolescentes que merecem proteção dos adolescentes autores de atos infracionais, o que, diga-se, ainda não se consolidou em todos os Estados.
No âmbito nacional, o grande avanço foi a edição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 2006, contendo princípios e regras claros para o atendimento. Ainda falta, porém, uma lei de execução dessas medidas que direcione adequadamente o trabalho dos gestores estaduais e do Judiciário, a quem compete fiscalizar o seu cumprimento.
Em São Paulo, a adaptação foi igualmente feita com dificuldades, mas os últimos tempos têm sido pródigos. Desde 1998, o Estado deu início à política de descentralização, construindo unidades pequenas em vários municípios. A partir de 2005, o processo ganhou vulto, com a construção de 34 unidades no interior (outras oito devem ser entregues neste ano), com capacidade para 56 jovens. A maioria delas é gerida em parceria com a sociedade civil, garantindo a participação efetiva das comunidades no atendimento prestado. Assim, os adolescentes hoje, na maioria, estão em seu município ou região de origem, próximos da família, e não mais em grandes complexos da capital.
Em 1999, desativou-se o complexo Imigrantes. Em 2007, o Tatuapé. Em 2008, estamos caminhando para a diminuição da população em todos os complexos e já não temos superlotação nas unidades da Fundação Casa. Não fosse a resistência de algumas prefeituras, teríamos todos os jovens perto de suas casas.
A mudança foi além, com a adoção de um modelo pedagógico que, sem descurar da segurança, privilegia a educação e o atendimento psicossocial. Estamos caminhando para que o atendimento a cada jovem siga um plano individualizado de intervenção, decidido após um diagnóstico polidimensional. Com tais ações, a reincidência caiu de 29%, em 2006, para 17% no primeiro semestre de 2008.
Rebeliões e denúncias de maus-tratos foram reduzidas drasticamente. No Brasil e no Estado, porém, é necessário ampliar as medidas de meio aberto e semiliberdade, reduzindo internações só para atos infracionais graves e substituindo-as por atendimentos que facilitem a inclusão.
O papel de São Paulo tem sido importante. Desde 2005, 13 novas unidades de semiliberdade foram abertas e mais de 160 prefeituras associaram-se ao Estado ao municipalizar os serviços de liberdade assistida, conferindo melhor qualidade ao atendimento prestado. Portanto, em São Paulo, os 18 anos do ECA significam maturidade na consolidação de um atendimento socioeducativo de qualidade.


BERENICE GIANNELLA é mestre em direito processual penal, procuradora do Estado em São Paulo e presidente da Fundação Casa.

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