São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ciência e consciência

MARCO MACIEL


Como definir e assegurar a observância de parâmetros éticos para as novas descobertas? É lícito clonar o ser humano?


A ciência não conhece limites nem respeita fronteiras, avança sempre na busca de desafios, de novos caminhos. Não obstante os acontecimentos relacionados ao risco da disseminação de organismos geneticamente modificados evidenciam a urgência de que se reveste a adoção de normas para regular o tratamento jurídico que se cumpre dar à matéria.
Foi por essa razão que, ainda quando parlamentar, tive a oportunidade de submeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei que, após receber subsídios tanto da Câmara dos Deputados como do Senado Federal, converteu-se na lei nº 974/95 (Lei de Biossegurança), consubstanciadora do primeiro esforço brasileiro no sentido de disciplinar a questão.
Devemos lembrar, como salientou o ministro Paulo Costa Leite, que, obviamente, em face do progresso da ciência, sobretudo no campo da engenharia genética, esse instrumento legal precisa de novas achegas e, certamente, de adequada atualização.
Isaac Asimov alertava sempre para a gravidade do desafio com que se confrontava a sociedade, ao destacar que o aspecto mais triste de nossa vida é que a ciência ganha em conhecimentos mais rapidamente do que a sociedade em sabedoria.
Já o pensador italiano Norberto Bobbio foi mais incisivo ao proclamar: "Depois da afirmação dos direitos de liberdade, dos direitos políticos e dos direitos sociais, hoje, avançamos em nova geração de direitos que se afirmam diante das ameaças à vida, à liberdade e à segurança, que provêm do crescimento, cada vez mais rápido, irreversível e incontrolável do progresso técnico. Refiro-me, em particular, ao direito à integridade do próprio patrimônio genético, que vai muito além do tradicional direito à integridade física".
As palavras de Bobbio resumem, de forma clara, o dilema atual da humanidade. Para o direito, as questões daí decorrentes estão postas. Como definir e assegurar a observância de parâmetros éticos para as novas descobertas? É lícito clonar o ser humano, patenteá-lo?
A propósito, o papa João Paulo 2º, ao abrir, na Áustria, há cerca de dez anos, um encontro sobre ciência e fé, observou que a toda técnica deve corresponder uma ética, e a toda ciência deve corresponder uma consciência. Com isso, quis dizer o pontífice que todo avanço no campo das ciências deve ser sempre cercado de cuidados para que possamos construir a desejada harmonia entre desenvolvimento técnico-científico e bem-estar da sociedade.
Nesse contexto, a ONU (Organização das Nações Unidas) adotou, em 1997, a Declaração Universal sobre Genoma Humano e os Direitos Humanos, marco importantíssimo para a codificação de um direito internacional sobre o assunto. Retomando a linha da declaração da ONU, a Unesco e a Comissão de Direitos Humanos, dois dos seus órgãos, trabalham em conjunto para definir o limite ético aceitável.
E, recentemente, o Brasil, reportando-se à legislação interna que logramos aprovar, votou na Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), com a maioria dos países-membros, pela proibição da clonagem.
Contudo os problemas da complexa negociação que se avizinha residem mais nos temas associados à proibição da clonagem, tais como o comércio de embriões, a adoção de sanções penais contra os infratores e o regime de propriedade intelectual a ser aplicado. Esses pontos, entre outros, irão conduzir o debate.
A questão suscitada é, mais uma vez, a de como conciliar o avanço da ciência, sobretudo da engenharia genética -uma das fronteiras mais importantes da grande revolução científico-tecnológica que agita o mundo-, com princípios morais. Enfim, com princípios que certamente terão de se refletir em regras do direito positivo.


Marco Maciel, 61, é vice-presidente da República. Foi governador do Estado de Pernambuco (1972-82), senador pelo PFL-PE (1982-94) e ministro da Educação (governo Sarney).


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