São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nas atuais circunstâncias, é correto manter o benefício da saída de Dia dos Pais aos presos?

SIM

Pela lei, sem medo nem concessões

JOSÉ GREGORI

O "SIM" não pode ser uma resposta automática e isolada, pois se deve encaixar num contexto que supõe atitudes e medidas imediatas, todas difíceis, mas indispensáveis. A concessão de 48 ou 72 horas para estar fora das grades se aplica a presos devidamente qualificados por exigências expressamente discriminadas pelo Juizado de Execuções Penais. Esse benefício -saída temporária- já existe há alguns anos no Brasil. Os motivos da justa apreensão da opinião pública estão ligados à crise provocada pelos gravíssimos ataques do crime organizado. Todos estamos apreensivos, revoltados e ansiando por providências que nos devolvam a tranqüilidade. No momento, o Brasil não enfrenta questão mais séria e grave do que essa. Não podemos perder a noção de conjunto e proporções a embasar toda estratégia que vise à superação do problema. O pré-requisito é que todas as autoridades se afinem em discurso e ação. Não é possível que o clima eleitoral absorva os responsáveis quanto ao que fazer. Não se pode prosseguir com divergências explícitas quando o problema exige o esforço de frente única. Não dá para deixar a questão se tornar uma espécie de fiel das eleições, uma disputa sagrada em toda democracia digna desse nome. Se há quem pense que as ações criminosas favorecem tal ou qual candidato, é preciso dizer que se trata de uma aberração dos valores democráticos. Mesmo nas disputas mais acirradas, alguns problemas, por sua gravidade, devem ficar blindados contra as paixões da batalha eleitoral. Tendo isso em vista, sobre os direitos humanos, consegui estabelecer com o ministro da área, Paulo Vannuchi, um "Pacto de Defesa dos Direitos Humanos" (Folha, 30/6), que ficarão preservados na disputa. A questão da segurança e do combate à violência, com maior razão, tem de ser encarada como prioridade nacional. Não é hora de balanços recriminatórios, mas sim de verificar o que deve ser feito e fazer. Sobretudo fazer nas áreas preventiva e coercitiva. Nesse contexto, na questão prisional, não vejo como o cancelamento do benefício esperado todo ano possa ser uma medida construtiva. É fundamental que se compreenda que nem todos os 140 mil presos de São Paulo (ou 400 mil no Brasil) são da organização criminosa. Quando do auge da crise sangrenta de maio, 70% dos presídios paulistas ficaram fora do motim e da rebelião. Depois disso, reitero, o benefício da saída temporária pode ser rigorosamente condicionado como o Judiciário entender. Interessa a toda a sociedade, por meio de ajustes, melhorar, e não piorar a conduta dos presos. A seleção deverá ser rigorosa para excluir a possibilidade de beneficiar quem se aproveite da saída para delinqüir, beneficiando só os presos de bom comportamento, já em regime de semiliberdade e sem antecedentes de ligação com organizações criminosas. O Brasil deve convencer-se de que os Poderes constituídos, os governos e a sociedade não vão tolerar nem condescender com o crime organizado, que merece repúdio, indignação e combate. E acreditar numa política carcerária que incentive a recuperação, tratando quem se ajusta à lei de forma diferenciada de quem se insubordina. Fazer justiça é exatamente diferenciar. O maior inimigo dos direitos humanos é a impunidade. Quando ministro da Justiça, sugeri ao presidente da República o indulto de Natal severo que beneficiava apenas quem já apresentava mostras de ter absorvido a dura lição da perda da liberdade. Alguns, infelizmente, voltaram ao crime, mas outros, muitos outros, não reincidiram e se tornaram cidadãos prestantes. Não se pode perder esse equilíbrio entre a punição nas formas da lei e a esperança de refazer vidas. Sei que é uma missão complexa. Na luta incansável contra o crime organizado, não podemos capitular nem subestimar a capacidade do Judiciário de conceder um benefício criteriosamente e executá-lo sem perda de controle. Há riscos? Há, mas, a meu ver, o maior risco seria conceder à máfia brasileira o argumento de que já está conseguindo fazer com que a sociedade brasileira, por causa dela, tema cumprir a lei.


JOSÉ GREGORI , 75, advogado, é presidente da Comissão Municipal de Diretos Humanos de São Paulo. Foi ministro da Justiça e secretário Nacional de Direitos Humanos.


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