São Paulo, quarta-feira, 12 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ainda dá tempo

MARTA SUPLICY


O que estamos vendo ocorrer com o Plano Diretor é muito sério e compromete o futuro de nossa cidade de forma irremediável


ADMINISTRAR São Paulo é um imenso desafio. Gestão competente dos recursos, cuidado e ação para os menos favorecidos, manutenção da limpeza e beleza da cidade, organização do trânsito e qualidade no transporte, educação e saúde que atendam as aspirações e necessidades da população são preocupações inerentes ao cargo. Exigem, o tempo todo, soluções criativas, inovadoras e ousadas. Além de capacidade de negociação e visão de futuro.
Tenho acompanhado como ex-prefeita e paulistana a atual gestão e pouco tenho expressado do meu desconforto e desacordo da forma desastrosa como tem sido em relação ao transporte, aos CEUs, ao povo de rua, ao centro... Mas deixemos para lá. Entretanto, diante da questão do Plano Diretor a ser votado, que nem todos entendem ou têm ideia de sua importância, sinto a necessidade de me manifestar, pois o que estamos vendo acontecer é muito sério e compromete o futuro de nossa cidade de forma irremediável.
São Paulo não foi planejada. Ficou décadas crescendo de forma selvagem. Na gestão de 2001-2004 aprovamos, depois de mais de 300 audiências públicas, um Plano Diretor para a mais rica cidade do Brasil, mas que contava com 90% de seus habitantes vivendo em condições baixas ou muito baixas em relação à qualidade de vida medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Um Plano Diretor busca o desenvolvimento e a integração social da cidade, orientando para quais regiões ela deverá se expandir, onde devem ser construídas fábricas, habitações populares, gabarito de prédios, avenidas e CEUs e por onde devem passar os diferentes meios de transporte.
Serão os efeitos dessa lei que farão o cidadão andar dez minutos para o trabalho ou passar duas horas dentro de um ônibus ou metrô.
O plano proposto foi concebido para corrigir graves distorções, tendo como prioridade o transporte público e, como baliza, fazer a cidade de São Paulo mais humana e mais justa para com os que aqui moram.
A atual administração nem sequer regulamentou importantes previsões da lei que está aprovada e em vigor desde 2002. Assim, mais de 30 artigos deixaram de funcionar na prática.
Há questões não regulamentadas sobre reuso da água em edifícios, armazenamento de água da chuva em grandes estacionamentos e pátios, previsões que disciplinam o uso de áreas públicas, a aplicação do IPTU progressivo. Há normas para a transferência de potencial construtivo e fixação de equipamentos mínimos para as áreas de interesse social que não foram estabelecidas.
Não foram iniciados planos setoriais, especialmente os de habitação e o de transporte de carga, nem se reviu a legislação de polos geradores de trânsito. As mudanças adotadas têm sido improvisadas, num vai e vem constante de regras que geram insegurança e confusão. E não levam à solução, nem sequer à melhoria, dos congestionamentos.
Deixando de dar prosseguimento a tantos temas importantes, a Prefeitura de São Paulo já perdeu muito tempo na luta pela preservação do meio ambiente, no combate a enchentes, na questão da justiça tributária e no desenvolvimento do centro, que já poderia estar muito melhor se o empréstimo do BID tivesse sido utilizado, e o Plano Diretor, implementado.
Essa administração teve uma gestão inteira para revisar o Plano Diretor. Nada fez e, agora, numa ação que revolta os cidadãos e entidades como o Movimento Defenda São Paulo e o Instituto Pólis, quer reduzir a revisão do plano a uma questão referente ao uso do solo e a negócios imobiliários.
Numa canetada, deseja-se eliminar os avanços que visam acabar com a exclusão social e tornar possível uma cidade mais justa, humana e civilizada. Uma São Paulo nervosa, dinâmica, mas na qual se consiga transitar, morar e respirar melhor, onde não se sinta angústia ou vergonha ao ver tantas habitações miseráveis, medo pela violência e desconforto generalizado.
Temos ainda a chance de parar esse retrocesso, regulamentar e rever o que for necessário, sem cortar 45 artigos da lei, como propõe o atual prefeito, que são os que afetarão a educação, a saúde, a habitação, o meio ambiente, o desenvolvimento econômico, o emprego e a renda em São Paulo.
Uma cidade, especialmente como a nossa, é o centro convergente de interesses muitas vezes divergentes. Uma prefeitura democrática tem de ter a ousadia e a coragem de pensar o futuro, proteger os mais fracos e não permitir os abusos dos mais poderosos. O Plano Diretor é essa oportunidade fantástica de tornar São Paulo mais organizada e humana. Acho que ainda dá tempo.


MARTA SUPLICY foi prefeita da cidade de São Paulo pelo PT (2001-2004) e ministra do Turismo (2007-2008).


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