São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 2011 |
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RUY CASTRO A 30 mil pés RIO DE JANEIRO - O Brasil aprendeu a ver em Fernanda Montenegro uma mulher com os pés no chão. Já ouvi a frase mais de uma vez. Claro que ela não se reconhece no papel. Fernanda fala pouco -somente quando é solicitada-, mas tem sempre uma opinião direta e sensata sobre o que lhe perguntam. É bom ter alguém em quem acreditar, e não apenas no que ela diz no teatro, cinema e TV, ou nos poucos comerciais que se dispôs a fazer. Mas, a 30 mil pés de altura, a mente divaga. A minha, não a dela. Outro dia, sentado ao seu lado num avião, voando para o Rio, ouvi-me pontificando para Fernanda sobre como o romance e o teatro podem, talvez mais do que a ciência, vasculhar a mente, embarafustar-se pelos seus descaminhos, e voltar de lá com as contradições e incoerências inerentes à espécie. Fernanda concordou. Empolguei-me e, indo além da sola, arrisquei que, mais até do que o autor de teatro, o romancista tinha liberdade para se meter pelos cantos mais remotos da cabeça de seu personagem -que, afinal, era só dele e de sua imaginação-, sem as limitações materiais que o palco impunha ao teatrólogo. Fernanda continuou ouvindo e, apesar dos 30 mil pés, com uma frase me trouxe de volta à Terra: "Mas este é o trabalho do ator -não do autor. O ator trabalha com o que o autor escreveu. E com o que ele não escreveu. O ator lê as entrelinhas". É isso mesmo. No teatro, o ator tem o poder sobre o personagem. Fernanda faz de conta que não me deu uma aula e continua: "Mas isso é no teatro. No cinema, o ator só fornece dados para o montador. Às vezes, digo uma frase que merecia um close, e o montador me põe em plano americano. Ou capricho numa expressão, e ele me mostra de costas. Ele é que tem o poder". Observo que, mesmo a 30 mil pés, Fernanda tem os pés no chão. Ela discorda: "Que nada, eu nem sei onde meus pés estão!". Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Rebelião Próximo Texto: Marina Silva: Falta da falta Índice | Comunicar Erros |
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