São Paulo, sexta, 12 de setembro de 1997.



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O homem e o sábado

JOSÉ SARNEY

Os gregos inventaram a democracia e Péricles, no seu "Discurso aos Mortos da Guerra do Peloponeso", construiu o mais remoto documento sobre as idéias políticas do Ocidente. A grande indagação é a de saber se a democracia está morrendo, se chegou a uma etapa na qual não pode avançar mais. A democracia não é somente o regime da liberdade, mas o terreno da igualdade e o caminho do desenvolvimento.
Não basta sermos livres se não tivermos a capacidade de transformar nossa liberdade numa norma de vida, onde a igualdade possa existir. Não somente a igualdade perante a lei, mas também aquelas liberdades que Roosevelt pregava: liberdade contra a fome, as doenças, contra o medo, contra o desemprego e todas as injustiças sociais.
A democracia brasileira está marchando para ser a liberdade do mercado, do deus mercado, erigido como senhor da guerra e da paz, o mágico sistema que pode resolver tudo. O mercado não resolve os problemas da fome, das doenças, da segurança. Não vejo senão como uma ficção desonesta que a solução para o bem-estar seja um Estado mínimo e uma sociedade economicamente permissiva.
Condeno o Estado, polvo de mil tentáculos, invadindo os setores privados. Mas tem de ser forte para harmonizar conflitos, proteger os mais fracos, tornar efetiva a livre concorrência e, sobretudo, ser gestor de um aparato que aprofunde a democracia, voltado para coibir as injustiças. É da soberania divina que "o homem não foi feito para o sábado, e sim o sábado para o homem". Estamos todos a servir o Estado que, por sua vez, está servindo a uma minoria. Os modelos mundial e brasileiro são concentradores de renda em todos os níveis, espacial e individual.
O mercado, considerado sob o ponto de vista dogmático e sagrado, leva ao desemprego estrutural, ao desemprego conjuntural. O homem fica transformado num insumo que pode ser desagregado do conjunto da produção. Desempregar para diminuir custos, como se pudéssemos abstrair do desempregado todas as consequências humanas de sua condição.
O que está acontecendo na velha Europa, com Jospin, Blair, e o que está se definindo na Alemanha são uma reação revolucionária. É o primeiro grito de protesto contra a submissão imposta pelos vencedores da Guerra Fria, contra um mundo composto de acumulação de riqueza e um outro destinado à pobreza e ao subdesenvolvimento cultural e político.
A acusação de que essa é uma linguagem velha é verdadeira. Ela tem sido eterna e o cruel é que tenha que ser repetida até hoje. Como é velha a tentativa de dominação. Só que hoje essa dominação é realidade.
São de 1870 -um século- estas palavras do manifesto de Creusot: "Os economistas menosprezam a complexidade dos fenômenos sociais e negligenciam o aspecto intelectual e sobretudo moral e reduzem as ciências sociais somente às considerações do mercado". O que mudou? Apenas que o mercado aumentou sua liberdade selvagem de ação, o mundo financeiro sobrepujou a tudo, a especulação é a rotina.
O Brasil não está aprofundando o processo democrático da igualdade e sim marchando de olhos fechados para o fosso da desigualdade, da antidemocracia.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.





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