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O homem e o sábado
JOSÉ SARNEY
Os gregos inventaram a democracia e
Péricles, no seu "Discurso aos Mortos
da Guerra do Peloponeso", construiu o
mais remoto documento sobre as
idéias políticas do Ocidente. A grande
indagação é a de saber se a democracia
está morrendo, se chegou a uma etapa
na qual não pode avançar mais. A democracia não é somente o regime da
liberdade, mas o terreno da igualdade
e o caminho do desenvolvimento.
Não basta sermos livres se não tivermos a capacidade de transformar nossa liberdade numa norma de vida, onde a igualdade possa existir. Não somente a igualdade perante a lei, mas
também aquelas liberdades que Roosevelt pregava: liberdade contra a fome,
as doenças, contra o medo, contra o
desemprego e todas as injustiças sociais.
A democracia brasileira está marchando para ser a liberdade do mercado, do deus mercado, erigido como senhor da guerra e da paz, o mágico sistema que pode resolver tudo. O mercado não resolve os problemas da fome,
das doenças, da segurança. Não vejo
senão como uma ficção desonesta que
a solução para o bem-estar seja um Estado mínimo e uma sociedade economicamente permissiva.
Condeno o Estado, polvo de mil tentáculos, invadindo os setores privados.
Mas tem de ser forte para harmonizar
conflitos, proteger os mais fracos, tornar efetiva a livre concorrência e, sobretudo, ser gestor de um aparato que
aprofunde a democracia, voltado para
coibir as injustiças. É da soberania divina que "o homem não foi feito para
o sábado, e sim o sábado para o homem". Estamos todos a servir o Estado
que, por sua vez, está servindo a uma
minoria. Os modelos mundial e brasileiro são concentradores de renda em
todos os níveis, espacial e individual.
O mercado, considerado sob o ponto
de vista dogmático e sagrado, leva ao
desemprego estrutural, ao desemprego
conjuntural. O homem fica transformado num insumo que pode ser desagregado do conjunto da produção. Desempregar para diminuir custos, como
se pudéssemos abstrair do desempregado todas as consequências humanas
de sua condição.
O que está acontecendo na velha Europa, com Jospin, Blair, e o que está se
definindo na Alemanha são uma reação revolucionária. É o primeiro grito
de protesto contra a submissão imposta pelos vencedores da Guerra Fria,
contra um mundo composto de acumulação de riqueza e um outro destinado à pobreza e ao subdesenvolvimento cultural e político.
A acusação de que essa é uma linguagem velha é verdadeira. Ela tem sido
eterna e o cruel é que tenha que ser
repetida até hoje. Como é velha a tentativa de dominação. Só que hoje essa
dominação é realidade.
São de 1870 -um século- estas palavras do manifesto de Creusot: "Os
economistas menosprezam a complexidade dos fenômenos sociais e negligenciam o aspecto intelectual e sobretudo moral e reduzem as ciências sociais somente às considerações do
mercado". O que mudou? Apenas que
o mercado aumentou sua liberdade
selvagem de ação, o mundo financeiro
sobrepujou a tudo, a especulação é a
rotina.
O Brasil não está aprofundando o
processo democrático da igualdade e
sim marchando de olhos fechados para
o fosso da desigualdade, da antidemocracia.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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