|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Abuso e intimidação
Governo Kirchner segue padrão latino-americano ao invadir, numa falsa operação fiscal, o maior jornal de oposição
NO MESMO DIA em que
noticiava mais uma irregularidade do governo Kirchner, desta
vez num órgão subordinado ao
fisco, o jornal argentino "Clarín"
se viu invadido por um batalhão
de cerca de 200 funcionários da
Receita Federal.
Não estavam lá, evidentemente, para examinar as contas do
principal órgão de imprensa da
Argentina: um trabalho técnico
de fiscalização não exigiria, sem
dúvida, mais do que cinco auditores qualificados.
Estavam lá na tentativa primária de intimidar um jornal oposicionista. A Folha, que sofreu
truculência equivalente nos primeiros dias do governo Collor
-quando policiais federais ocuparam seu prédio sob o mesmo
pretexto-, conhece bem o tipo
de mentalidade por trás desse
gênero de operações.
Ao contrário do que acontece
nos casos clássicos de golpes militares latino-americanos, nenhum regime fascista surge
pronto do dia para a noite.
Atos isolados de baderna, manifestações "espontâneas" de
depredação e vandalismo, discursos ameaçadores que mais ou
menos se desmentem em seguida, supostos "erros administrativos" dos escalões inferiores -é
com esse tipo de ensaio que se
vão testando as reais resistências do sistema democrático à
investida autoritária.
Na pior das hipóteses, os mandatários da aventura podem
sempre declinar de qualquer
responsabilidade pelo que aconteceu; um capanga de menor envergadura será repreendido, o
auxiliar de terceira linha será
convidado a deixar seu posto, e
tudo em tese volta ao normal.
Na hipótese de sucesso, a escalada continua. É o caso do venezuelano Hugo Chávez, que das
mais variadas formas vai sufocando a democracia em seu país,
e aperta o cerco -também com
medidas de cunho supostamente administrativo- contra os
meios de comunicação.
Decerto os índices de popularidade do governo argentino não
lhe propiciam os lances de autoconfiança "bolivariana" registrados no norte do continente.
Mesmo assim, o desrespeito à
liberdade de expressão é endêmico na América Latina.
Jornais são invadidos, em regimes formalmente democráticos.
Bravatas e repreensões veladas
fazem parte do discurso de quase todo governante. O direito à
crítica parece ser visto como um
ato de abuso e injustiça contra
supostos benfeitores do povo.
Mesmo em algumas instâncias
judiciais, a censura prévia é considerada forma legítima de controlar um órgão de comunicação.
Haja vista o caso do jornal "O Estado de S. Paulo", há mais de um
mês impedido de publicar notícias sobre alguns negócios da família Sarney.
Encarado de modo pessoal, familiar e caudilhesco, o poder não
se conforma com a revelação das
inúmeras irregularidades e abusos com os quais se perpetua. A
boa notícia é que na América Latina ainda há jornais que tampouco se conformam com o estado de submissão e oficialismo a
que querem reduzi-los.
Próximo Texto: Editoriais: Coleção de erros
Índice
|