São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os vizinhos do Museu de Arte Contemporânea

JOÃO GRANDINO RODAS


Se a USP não opinasse sobre o gigantismo e a inclinação comercial do projeto ao lado do prédio que deve acolher o MAC, faltaria à transparência


A transferência do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP para um prédio no Ibirapuera seria boa tanto para o MAC, que teria lugar amplo para expor seu acervo, quanto para o parque, que ficaria mais valorizado. O público seria o maior beneficiário. A universidade, que tem entre seus objetivos a prestação de serviços à comunidade, faria apenas sua obrigação. Contudo, há importantes aspectos a serem sopesados por sua administração, sob pena de responsabilização por ação ou por omissão. É intenção do governo abrigar o acervo do MAC em local mais visível, tendo iniciado, há anos, reforma do prédio projetado por Niemeyer. Começaram, então, conversações entre a Secretaria de Estado da Cultura e a USP, sem que, até o momento, tenha sido assinado convênio para a transferência, em razão da demora na reforma (ainda não concluída).
A mudança do MAC acarretará custo de manutenção predial 15 vezes maior do ora despendido pela USP, beirando os R$ 18 milhões por ano. Por se tratar de "joint venture" entre Secretaria da Cultura e USP, nada mais equânime do que a partilha das despesas.
Frise-se que 80 a 85% do orçamento da USP é gasto com pessoal, pouco restando para investimentos em prédios, laboratórios e bibliotecas, pesquisa, bolsas de apoio à permanência estudantil etc. O MAC, para transformar-se em um dos maiores museus de arte contemporânea do globo, necessita de apoio do Estado.
O lançamento do Clube das Arcadas foi feito pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, pessoa jurídica privada, em 10 de agosto, nas dependências da USP (salão nobre da Faculdade de Direito). Divulgou-se que o clube teria ginásio de esportes, quadras de tênis, piscina semiolímpica, teatro com 380 lugares, bar, shopping center e estacionamento com 900 vagas.
O art. 2º da Lei Estadual Paulista nº 3.093, de 11 de agosto de 1955, condicionou a doação do terreno ao centro "à construção de praça de esportes, destinada à cultura física dos alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo".
Cabe na letra e no espírito da lei, que não pode ser interpretada extensivamente, a construção de shopping center, teatro e 900 vagas de garagem? É legal e ético que o centro se associe a terceiro, constituindo outra pessoa jurídica privada, com o intuito de explorar comercialmente o espaço doado? É cabível solicitar doações de particulares sem apresentar aprovações da prefeitura a projeto que, por conta da área que abrigará a edificação e da miscelânea de finalidades, é controverso? Tratando-se de área envoltória de bem tombado, não deveria apresentar licença de órgãos como Condephaat e Conpresp?
Diante disso, a USP estava em pleno direito quando oficiou à Secretaria de Estado da Cultura, fazendo perquirições que levassem ambas a meditar antes de assumir a parceria.
Face a empreendimento complexo, que pode parecer ao público como vinculado à universidade, não é estranho nem inamistoso a USP declarar publicamente não ser partícipe nem apoiadora e não ter responsabilidade por ele; tampouco quando pede que o centro e as firmas associadas, ao divulgar o projeto, não o façam nas dependências da instituição e, caso utilizem o complemento "da Faculdade de Direito da USP", destaquem que a USP nada tem a ver com o clube.
Se a USP aderisse à transferência do MAC sem fazer observações sobre o gigantismo e o viés comercial que o projeto vizinho tomou, a partir do lançamento em território da USP, feito por mentores que utilizam seu nome para completar sua identificação, faltaria à transparência e aos princípios republicanos.

JOÃO GRANDINO RODAS é reitor da USP e desembargador federal aposentado

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