São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A relevância da educação infantil

JORGE WERTHEIN

Estamos vivendo um momento histórico muito oportuno à reflexão e à ação em prol das crianças brasileiras. Hoje dispomos de informações e de argumentos muito consistentes que apontam para as oportunidades e para os benefícios do investimento na primeira infância.
A educação e o desenvolvimento infantil vêm sendo tratados como assuntos prioritários de governos, organismos internacionais e organizações da sociedade civil em um número crescente de países em todo o mundo.
Já existe um certo consenso de que o desenvolvimento inicial da criança ocorre em um período de grande vulnerabilidade e oportunidade. Os primeiros anos de vida são caracterizados por um rápido e significativo desenvolvimento físico e mental. Esses processos têm sido considerados os alicerces das capacidades cognitivas e emocionais futuras. O desenvolvimento inicial da criança se refere a uma combinação do desenvolvimento físico, mental e social durante os primeiros anos de vida.
A ciência está mostrando que o período que vai da gestação ao sexto ano de vida, particularmente de 0 a 3 anos, é o mais importante na preparação das bases de competências e habilidades para toda a vida. Os extraordinários avanços da neurociência têm permitido entender um pouco melhor como o cérebro se desenvolve. De 0 a 3 anos de idade, vive-se um período crucial, no qual se formam mais de 90% das conexões cerebrais. Isso graças à interação do bebê com os estímulos do ambiente.
Acreditava-se, antigamente, que a organização cerebral era determinada basicamente pela genética; recentemente, os cientistas comprovaram que ela é altamente dependente das experiências infantis. As pesquisas estão mostrando que, como proteínas, gorduras e vitaminas, interações com outras pessoas e objetos são "nutrientes vitais" para o cérebro em crescimento e desenvolvimento.
Sob o ponto de vista da educação infantil, antes mesmo das pesquisas sobre o cérebro, a experiência educacional já havia constatado sensíveis progressos nos níveis de aprendizagem e de desenvolvimento das crianças que frequentaram a educação pré-escolar.
Um estudo significativo nesse aspecto foi feito pelo Projeto Pré-Escolar Scope Perry, em Michigan (EUA), que acompanhou crianças desde a época que participaram do projeto pré-escolar, com 3 ou 4 anos, até os 27 anos. A avaliação demonstrou que o grupo que recebeu atendimento pré-escolar obteve, no longo prazo, níveis mais altos de instrução e renda e menores índices de prisão e de delinquência.


A educação infantil é uma estratégia eficiente no combate à transmissão intergeracional da pobreza


Dados esses resultados, calcula-se que o programa tenha economizado US$ 7,16 para cada US$ 1 investido, devido às reduções nos gastos de educação primária e previdência social combinadas com o aumento de produtividade ao longo do tempo.
A educação infantil vem crescendo no mundo inteiro. Cada vez mais ela se afirma como o nível inicial do processo educacional. Ou seja, a educação começa ou deve começar por ela. É o que sustenta a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), que afirma que a aprendizagem se inicia com o nascimento. Dez anos mais tarde, no Fórum Mundial de Educação realizado em Dacar, no Senegal, a Unesco insistiu na prioridade para a educação infantil, sendo que a primeira das seis metas traçadas no Marco de Ação de Dacar foi sobre "a expansão e o aprimoramento da assistência e da educação na primeira infância, especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas".
Um relatório recente do Banco Mundial sobre o impacto da educação pré-escolar no Brasil demonstrou que cada ano de frequência na pré-escola aumenta em 0,4 anos a escolaridade finalmente atingida, diminui de 3% a 5% o nível de repetência e equivale a um aumento de renda, no futuro, da ordem de 6% (estudo realizado pelo Ipea).
Esse documento também informa que são as crianças pobres as que mais se beneficiam desse atendimento.
Dessa forma, a educação infantil -um direito constitucional das crianças brasileiras desde o nascimento- também constitui-se em uma estratégia eficiente no combate à transmissão intergeracional da pobreza.
Em junho deste ano, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) lançou um estudo comparativo sobre as políticas de educação e de cuidados na infância, realizado em 12 países desenvolvidos.
Esse estudo, intitulado "Starting Strong", trouxe quatro questões básicas: a clara responsabilidade do Estado na provisão de cuidados e de educação na primeira infância; a importância da qualidade e da integração dos serviços; a necessidade de profissionalizar e de capacitar os recursos humanos que atuam na área; e a necessidade de trabalharmos com indicadores que possibilitem a avaliação dos serviços e a realização de estudos internacionais.
É fundamental que as políticas públicas possam gradativamente considerar essas novas informações e evidências científicas, de modo que a educação e o desenvolvimento integral na primeira infância tornem-se uma realidade para todas as crianças brasileiras, assegurando-lhes um começo justo.
Como nos disse o poeta Mário Quintana: "Democracia? É dar a todos o mesmo ponto de partida..."


Jorge Werthein, 60, sociólogo argentino, doutor em educação pela Universidade Stanford (EUA), é representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) no Brasil.



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