São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 2006

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Escolas técnicas: Lula ou FHC?

RAUL DO VALLE

No plano das idéias, um argumento é apresentado e refutado. Mas, no mundo dos números, não cabe polemização, senão correção

A FOLHA DE S.PAULO publicou recentemente nesta seção dois artigos sobre a educação profissional: "Lula e as escolas técnicas", do ex-ministro Paulo Renato Souza (dia 15/9), e "FHC e as escolas técnicas" (dia 20/9), de um triunvirato de dirigentes de escolas técnicas federais. Como ex-diretor do Proep (Programa de Expansão da Educação Profissional) na gestão de Paulo Renato no MEC, comento o último artigo, uma vez que o programa que dirigi foi erroneamente citado.
As idéias e as crenças obedecem a critérios ideológicos. Cada um acredita naquilo que lhe parece correto. No plano das idéias, os argumentos são apresentados e refutados. Mas, quando vamos para o mundo objetivo dos números, não cabe polemização, senão correção. Vamos ao artigo da tróica. Ele critica a gestão de Paulo Renato por ter determinado que a criação de novas unidades de educação profissional por parte da União somente pudesse ocorrer em parceria com Estados, municípios e ONGs. Na visão dos autores do artigo, a expansão deveria, necessariamente, ocorrer com a criação de novas escolas técnicas federais, com mais ônus para o país, não só pela construção de novas escolas mas também pela contratação de novos professores e pelo pagamento de uma pesada mensalidade de custeio, pendurada no Orçamento da nação.
Estou seguro de que uma parcela importante da sociedade pensa diferente e prefere que o dinheiro economizado com a parceria de Estados, municípios e ONGs seja aplicado em outras áreas mais carentes, como a educação fundamental e a saúde.
Outra crítica se centra na separação do ensino médio da educação profissional. Os dirigentes autárquicos preferem que o ensino médio seja compartilhado com a educação profissional, retardando o acesso dos alunos ao mercado de trabalho ou proporcionando, a um alto custo, uma educação rebarbativa a uma elite de alunos que tem as suas miras fixadas no horizonte da universidade.
Vamos aos números. Afirma o trio: "O governo anterior lançou o Proep, mas até nisso ele perde na comparação com o governo atual". Primeira correção: o Proep, programa de US$ 500 milhões (US$ 250 milhões do BID e US$ 250 milhões de contrapartida nacional), criado na gestão FHC, não era destinado apenas à assinatura de convênios com Estados e com o setor comunitário. A própria rede federal, no período FHC, recebeu investimentos em 65 de suas unidades da ordem de R$ 142 milhões.
Segunda correção: a gestão FHC, em números comparativos não perde de jeito nenhum para o atual governo. Os autores do artigo citam a contratação de professores e funcionários para justificar sua afirmação de que Lula deu mais atenção ao ensino técnico do que FHC. A sociedade não quer saber do número de funcionários contratados, mas, isto sim, dos resultados obtidos em termos de alunos educados pelas escolas técnicas federais. Infelizmente, os autores omitiram esses dados.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão do Ministério da Educação, divulgou recentemente os dados do Censo Escolar de 2005. Os dados são recolhidos no mês de março de cada ano e refletem os resultados do ano anterior.
Assim, os números de 2003 refletem as políticas adotadas até 2002 (último ano de FHC), e os de 2004 e 2005, as medidas adotadas nos dois primeiros anos do governo do PT.
Por outro lado, a metodologia do censo em relação ao ensino técnico mudou a partir de 2001, pois, até o ano anterior, as matrículas estavam agregadas às do ensino "médio profissionalizante". Em termos das escolas técnicas federais, só é possível, portanto, comparar os dois últimos anos do governo FHC com os dois primeiros do governo Lula.
Em 2001, havia 56 mil alunos nas escolas técnicas federais, cifra que aumentou para 79 mil em 2003 e para 83 mil em 2005. Ou seja, enquanto a matrícula se expandiu 41% nos dois últimos anos do governo FHC, nos dois primeiros anos do governo Lula, o crescimento foi só de 5%.
Para finalizar, quero enfatizar que todos os convênios aprovados pelo Proep no governo FHC estavam amplamente amparados em critérios técnicos insofismáveis, razão pela qual eles não foram objetados pelo órgão financiador, o BID. A decisão de cancelá-los e devolver cerca de US$ 100 milhões ao banco é de exclusiva responsabilidade do atual governo. E só a ele cabe explicá-la.


RAUL DAVID DO VALLE JUNIOR é diretor de Projetos e Intervenções Urbanas da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização). Foi diretor do Proep (Programa de Expansão da Educação Profissional) e secretário de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação (gestão Fernando Henrique Cardoso).

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