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"Sempre avisados, mas nunca prevenidos"
FÁBIO KONDER COMPARATO
Como se pôde perceber na última campanha eleitoral, ninguém no meio político faz a mais remota idéia sobre o futuro do país
A ADVERTÊNCIA do padre Vieira, feita em 1641, pouco antes
de os holandeses invadirem o
Sergipe e o Maranhão, assinala um
dos traços marcantes do caráter nacional. "Nenhuma nova houve nunca
tão certa que não tivéssemos uma esperança para que apelar; nenhum aviso houve nunca tão qualificado que
não tivéssemos um discurso com que
o desfazer."
O descontrole geral do tráfego aéreo no país, após o pior desastre da
história da aviação nacional, não foi
infelizmente um episódio isolado. Ele
sucedeu, com uma regularidade perversa, ao "apagão" geral de 2001, à falência do sistema público de saúde no
Rio de Janeiro e ao colapso do sistema
de segurança em São Paulo no primeiro semestre deste ano. Todos esses descalabros eram plenamente
previsíveis, mas nenhum deles foi
prevenido. Não é preciso ser Cassandra para antever os próximos.
Tais desastres, na verdade, são apenas sinais epidérmicos de um mesmo
estado mórbido. Pois haverá ainda algum analista tão embrutecido a ponto
de não enxergar, na ausência de crescimento econômico efetivo dos últimos 26 anos, o sintoma de uma precoce senilidade nacional? Excluídos os
profissionais ligados ao sistema financeiro e os tradicionais adeptos do
pensamento único, existirá ainda algum economista capaz de sustentar,
honestamente, que a reserva de mais
de metade do Orçamento da União
para o serviço da dívida pública não
inviabiliza qualquer projeto de crescimento econômico do país?
A estrutura do Estado brasileiro é
absolutamente inadequada para o desempenho de sua função mais importante: promover o desenvolvimento
nacional.
A razão é óbvia. O desenvolvimento
não é um dado colhido aleatoriamente no mercado, mas o resultado de políticas públicas dirigidas ao crescimento sustentável e à redução das desigualdades sociais e regionais. Tais
políticas são todas de longo prazo e
atendem não interesses particulares,
mas o bem comum da nação. Elas têm
como pressuposto básico a elaboração de um projeto nacional que nos
permita uma inserção digna no quadro da globalização econômica.
Ora, como se pôde perceber na última campanha eleitoral, ninguém no
meio político faz a mais remota idéia
sobre o futuro do país. Cada qual só
pensa nas próximas eleições, e não
nas próximas gerações de brasileiros.
Por outro lado, a realização de políticas públicas depende, exclusivamente, das chefias de governo, cujo
mandato oficial é de quatro anos, mas
que na prática se reduz a apenas dois,
pois a última metade do prazo é consagrada à preparação das eleições seguintes.
Além disso, o Executivo é o
centro para o qual convergem todas
as pressões conjunturais e de satisfação de interesses partidários, setoriais ou corporativos, não tendo nunca a menor disponibilidade para cuidar das questões de longo prazo e de
interesse nacional. Estamos no ar
(em todos os sentidos), navegando
sem plano de vôo, sem radar, sem
transponder e sem contato com os
controladores do tráfego aéreo. Nessas condições, por mais experimentados que sejam os pilotos, o desastre é
inevitável.
Não existe órgão nenhum, no Estado brasileiro, incumbido de desempenhar as funções vitais de previsão e
planejamento. Ele foi, no entanto,
criado no Japão no imediato pós-guerra, na Coréia do Sul nos anos 60 e
na China 20 anos mais tarde. Da sua
ação derivaram os êxitos extraordinários alcançados por esses países em
matéria de reconstrução e crescimento econômico.
Um órgão análogo pode e deve ser
instituído agora no Brasil, sem subordinação à Presidência da República e
menos ainda ao Banco Central. Ele há
de ser estruturado num contexto plenamente democrático, contando com
a participação efetiva dos representantes dos diversos grupos e setores
que compõem a nossa sociedade.
Competirá com exclusividade ao novo órgão estatal elaborar os planos de
desenvolvimento e os orçamentos-programas correspondentes, cujas diretrizes gerais podem ser submetidas
à aprovação popular, antes da decisão
final do Poder Legislativo.
Aqui fica o aviso, na esperança de
que, pelo menos desta vez, estejamos
prevenidos.
FÁBIO KONDER COMPARATO, 70, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É autor, entre outras obras, de "Ética - Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno" (Companhia das Letras).
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