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São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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"Sempre avisados, mas nunca prevenidos"

FÁBIO KONDER COMPARATO

Como se pôde perceber na última campanha eleitoral, ninguém no meio político faz a mais remota idéia sobre o futuro do país

A ADVERTÊNCIA do padre Vieira, feita em 1641, pouco antes de os holandeses invadirem o Sergipe e o Maranhão, assinala um dos traços marcantes do caráter nacional. "Nenhuma nova houve nunca tão certa que não tivéssemos uma esperança para que apelar; nenhum aviso houve nunca tão qualificado que não tivéssemos um discurso com que o desfazer."
O descontrole geral do tráfego aéreo no país, após o pior desastre da história da aviação nacional, não foi infelizmente um episódio isolado. Ele sucedeu, com uma regularidade perversa, ao "apagão" geral de 2001, à falência do sistema público de saúde no Rio de Janeiro e ao colapso do sistema de segurança em São Paulo no primeiro semestre deste ano. Todos esses descalabros eram plenamente previsíveis, mas nenhum deles foi prevenido. Não é preciso ser Cassandra para antever os próximos.
Tais desastres, na verdade, são apenas sinais epidérmicos de um mesmo estado mórbido. Pois haverá ainda algum analista tão embrutecido a ponto de não enxergar, na ausência de crescimento econômico efetivo dos últimos 26 anos, o sintoma de uma precoce senilidade nacional? Excluídos os profissionais ligados ao sistema financeiro e os tradicionais adeptos do pensamento único, existirá ainda algum economista capaz de sustentar, honestamente, que a reserva de mais de metade do Orçamento da União para o serviço da dívida pública não inviabiliza qualquer projeto de crescimento econômico do país?
A estrutura do Estado brasileiro é absolutamente inadequada para o desempenho de sua função mais importante: promover o desenvolvimento nacional.
A razão é óbvia. O desenvolvimento não é um dado colhido aleatoriamente no mercado, mas o resultado de políticas públicas dirigidas ao crescimento sustentável e à redução das desigualdades sociais e regionais. Tais políticas são todas de longo prazo e atendem não interesses particulares, mas o bem comum da nação. Elas têm como pressuposto básico a elaboração de um projeto nacional que nos permita uma inserção digna no quadro da globalização econômica.
Ora, como se pôde perceber na última campanha eleitoral, ninguém no meio político faz a mais remota idéia sobre o futuro do país. Cada qual só pensa nas próximas eleições, e não nas próximas gerações de brasileiros.
Por outro lado, a realização de políticas públicas depende, exclusivamente, das chefias de governo, cujo mandato oficial é de quatro anos, mas que na prática se reduz a apenas dois, pois a última metade do prazo é consagrada à preparação das eleições seguintes.
Além disso, o Executivo é o centro para o qual convergem todas as pressões conjunturais e de satisfação de interesses partidários, setoriais ou corporativos, não tendo nunca a menor disponibilidade para cuidar das questões de longo prazo e de interesse nacional. Estamos no ar (em todos os sentidos), navegando sem plano de vôo, sem radar, sem transponder e sem contato com os controladores do tráfego aéreo. Nessas condições, por mais experimentados que sejam os pilotos, o desastre é inevitável.
Não existe órgão nenhum, no Estado brasileiro, incumbido de desempenhar as funções vitais de previsão e planejamento. Ele foi, no entanto, criado no Japão no imediato pós-guerra, na Coréia do Sul nos anos 60 e na China 20 anos mais tarde. Da sua ação derivaram os êxitos extraordinários alcançados por esses países em matéria de reconstrução e crescimento econômico.
Um órgão análogo pode e deve ser instituído agora no Brasil, sem subordinação à Presidência da República e menos ainda ao Banco Central. Ele há de ser estruturado num contexto plenamente democrático, contando com a participação efetiva dos representantes dos diversos grupos e setores que compõem a nossa sociedade.
Competirá com exclusividade ao novo órgão estatal elaborar os planos de desenvolvimento e os orçamentos-programas correspondentes, cujas diretrizes gerais podem ser submetidas à aprovação popular, antes da decisão final do Poder Legislativo. Aqui fica o aviso, na esperança de que, pelo menos desta vez, estejamos prevenidos.


FÁBIO KONDER COMPARATO, 70, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É autor, entre outras obras, de "Ética - Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno" (Companhia das Letras).

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