São Paulo, segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Próximo Texto | Índice

Liberdade e pesquisa

Cientistas encaram com alarme iniciativas para barrar experimentos com animais e células-tronco embrionárias humanas

UM CRITÉRIO para julgar o grau de civilização de um povo, já se disse, está no modo como trata seus animais. Em plena era do conhecimento, e a julgar por iniciativas jurídicas recentes no Brasil, seria o caso de incluir nesse critério também o tratamento reservado aos cientistas: são cada vez mais freqüentes tentativas de cercear a pesquisa com regulamentos inspirados em valores particularistas, da religião ao sentimentalismo com animais.
No Rio de Janeiro, uma lei municipal (nº 4.685) chegou a ser sancionada -com erros- pelo prefeito Cesar Maia (DEM). O projeto do vereador Cláudio Cavalcanti (DEM) prescrevia multa para maus-tratos com animais, mas havia sido emendado em plenário para isentar a pesquisa. Por erro da Câmara Municipal, foi enviado para sanção na versão original, equívoco anulado depois por ato administrativo.
Enquanto persistiu a confusão, pesquisadores da cidade, como os da renomada Fundação Oswaldo Cruz, concluíram que seus trabalhos se tornavam inviáveis. A definição de maus-tratos, afinal, era ampla o bastante para abrangê-los: "privação das necessidades básicas, sofrimento físico, medo, estresse, angústia, patologias ou morte".
Iniciativas como essas há muitas pelo Brasil. Em São Paulo, o então deputado estadual Ricardo Tripoli (hoje deputado federal pelo PSDB) também fez vingar um Código de Proteção aos Animais (lei estadual nº 11.977), que dificultava até a pecuária ao proibir o confinamento de animais. Vários dispositivos do código, inaplicável, foram suspensos pelo Tribunal de Justiça.
As pessoas têm uma compreensível empatia com o sofrimento de animais. Sentem repulsa diante de procedimentos que possam causar estresse, dor ou até a morte de cobaias. Mas, infelizmente, não existem métodos alternativos ao emprego de animais em vários estudos imprescindíveis para criar tratamentos destinados a curar seres humanos. A saída para esse dilema ético é estabelecer regras que minimizem o dano sem impedir o avanço do conhecimento.
Cientistas não negam a necessidade dessa regulamentação. Batalham há 12 anos para aprovar na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 1.153, que daria ao país regras similares às de países com pesquisa biomédica digna de menção (nenhum proíbe usar animais). É preciso aprovar um estatuto que proíba todo sofrimento desnecessário, que obrigue ao uso de anestésicos e responsabilizando pesquisadores por eventuais abusos.
Os pesquisadores também voltam sua atenção, agora, para o Supremo Tribunal Federal. Em dezembro estará em julgamento ação direta de inconstitucionalidade (nº 3.510) apresentada pela Procuradoria Geral da República, sob clara inspiração católica, para barrar a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas. Seu uso foi autorizado, em condições já bem restritivas, pela nova Lei de Biossegurança (nº 11.105), mas é dada como inadmissível por grupos religiosos.
Câmara e Supremo estão convocados a explicitar qual valor de civilização atribuem à ciência.

Próximo Texto: Editoriais: As regras da Bolsa

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.