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Liberdade e pesquisa
Cientistas encaram com alarme iniciativas para barrar experimentos com animais e células-tronco embrionárias humanas
UM CRITÉRIO para julgar
o grau de civilização de
um povo, já se disse,
está no modo como
trata seus animais. Em plena era
do conhecimento, e a julgar por
iniciativas jurídicas recentes no
Brasil, seria o caso de incluir nesse critério também o tratamento
reservado aos cientistas: são cada vez mais freqüentes tentativas de cercear a pesquisa com regulamentos inspirados em valores particularistas, da religião ao
sentimentalismo com animais.
No Rio de Janeiro, uma lei municipal (nº 4.685) chegou a ser
sancionada -com erros- pelo
prefeito Cesar Maia (DEM). O
projeto do vereador Cláudio Cavalcanti (DEM) prescrevia multa
para maus-tratos com animais,
mas havia sido emendado em
plenário para isentar a pesquisa.
Por erro da Câmara Municipal,
foi enviado para sanção na versão original, equívoco anulado
depois por ato administrativo.
Enquanto persistiu a confusão,
pesquisadores da cidade, como
os da renomada Fundação Oswaldo Cruz, concluíram que seus
trabalhos se tornavam inviáveis.
A definição de maus-tratos, afinal, era ampla o bastante para
abrangê-los: "privação das necessidades básicas, sofrimento
físico, medo, estresse, angústia,
patologias ou morte".
Iniciativas como essas há muitas pelo Brasil. Em São Paulo, o
então deputado estadual Ricardo
Tripoli (hoje deputado federal
pelo PSDB) também fez vingar
um Código de Proteção aos Animais (lei estadual nº 11.977), que
dificultava até a pecuária ao proibir o confinamento de animais.
Vários dispositivos do código,
inaplicável, foram suspensos pelo Tribunal de Justiça.
As pessoas têm uma compreensível empatia com o sofrimento de animais. Sentem repulsa diante de procedimentos
que possam causar estresse, dor
ou até a morte de cobaias. Mas,
infelizmente, não existem métodos alternativos ao emprego de
animais em vários estudos imprescindíveis para criar tratamentos destinados a curar seres
humanos. A saída para esse dilema ético é estabelecer regras que
minimizem o dano sem impedir
o avanço do conhecimento.
Cientistas não negam a necessidade dessa regulamentação.
Batalham há 12 anos para aprovar na Câmara dos Deputados o
projeto de lei nº 1.153, que daria
ao país regras similares às de países com pesquisa biomédica digna de menção (nenhum proíbe
usar animais). É preciso aprovar
um estatuto que proíba todo sofrimento desnecessário, que
obrigue ao uso de anestésicos e
responsabilizando pesquisadores por eventuais abusos.
Os pesquisadores também voltam sua atenção, agora, para o
Supremo Tribunal Federal. Em
dezembro estará em julgamento
ação direta de inconstitucionalidade (nº 3.510) apresentada pela
Procuradoria Geral da República, sob clara inspiração católica,
para barrar a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas. Seu uso foi autorizado, em
condições já bem restritivas, pela nova Lei de Biossegurança (nº
11.105), mas é dada como inadmissível por grupos religiosos.
Câmara e Supremo estão convocados a explicitar qual valor de
civilização atribuem à ciência.
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