São Paulo, segunda-feira, 12 de novembro de 2007

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ALBA ZALUAR

Aonde vamos?

UM OFICIAL da Polícia Militar do Rio de Janeiro, meu amigo, argumentou corretamente que a diferença entre as pessoas na Europa e no Brasil é que, aqui, quando se põe uma placa "é proibido pisar na grama", tem-se que acrescentar dois policiais junto dela para que seja obedecida.
Em compensação, na Europa, diz-se que, despojados da proteção que as redes de vínculos sociais mais permanentes forneciam, os indivíduos tornam-se mais sozinhos, vulneráveis e inseguros. Com os laços de parentesco e de vizinhança frouxos ou inexistentes, o que afeta principalmente os mais ricos, adquirem um medo líqüido, sem eira nem beira, nem origem nem limites.
No Brasil, a imprevisibilidade não advém apenas das mudanças no mundo do trabalho decorrentes da globalização. Os laços sociais de vizinhança e parentesco estão mais bem mantidos que no Primeiro Mundo. Mas o errático chega como bens e serviços essenciais de um modo quase que desconhecido por lá. A população estarrecida se pergunta: em quem e no que confiar?
O medo do avião piorou e foi acrescido do medo de aeroporto, de fazer churrasco, ou brincar no quintal, ou ver televisão dentro de casa em áreas residenciais perto de algum campo de onde saem e caem aeronaves.
O pão nosso de cada dia, comprado por não ter gordura e não fazer mal ao coração, tira zero nos testes feitos de seus verdadeiros ingredientes. Os fabricantes dizem que está tudo bem.
O leite das crianças pode conter soda cáustica e água oxigenada. Mas os responsáveis pela composição do leite dizem que isso não faz mal à saúde.
Brinquedos de criança contêm substâncias altamente tóxicas e são vendidos legalmente! A fiscalização chegou depois. Deus nos acuda, ou a lei nos proteja a todos.
No Brasil, a confiança nos bens também corre o risco de se liquefazer por causa do amor exclusivo ao dinheiro. Não há mercado que resista a isso, nem mesmo aquele mínimo de previsibilidade necessária à convivência humana.
No mercado ilegal, sujeito a operações militares onde padecem tantos, a maconha parece ser mais inofensiva. Mas criou-se uma guerra, que não é civil por envolver a violência legítima do Estado, para combatê-la. Legítima?
Talvez haja uma conexão entre o argumento do oficial PM e a insegurança da população. E esta deve ser: para que servem as leis se, no Brasil, sempre aparece alguém que se coloca acima delas? Para o capitalismo funcionar é, portanto, preciso que ele seja acompanhado pelo Estado de Direito, no qual as leis valem para todos.
Então vamos combinar: nem tudo é culpa da Polícia Militar.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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