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OTAVIO FRIAS FILHO
O Plano B
Acompanhar os acontecimentos na Venezuela poderá ser instrutivo para quem está de olhos postos
no Brasil. As diferenças entre os dois
países, claro, são enormes, e as situações que atravessam são quase opostas. Nosso vizinho está dividido ao
meio, à beira do colapso e da guerra civil, enquanto o Brasil pratica com serenidade uma real transferência de
poder.
Se entre nós a democracia adquiriu,
parece, o estatuto de um palco comum onde as regras são respeitadas
por todos, na Venezuela a democracia
se converteu em plataforma de assalto
da oposição contra o governo e vice-versa. Instalou-se, ali, a lógica perversa
da desconfiança entre os agentes políticos, cada um disposto não só a derrotar mas a destruir o outro.
Parte do problema tem a ver com a
origem golpista de Chávez na política,
sua fracassada rebelião contra o decrépito governo de Carlos Andrés Perez em 1992. Conforme o choque liberal dado por Perez na economia surtia
suas devastadoras consequências sociais, Chávez foi se convertendo em
ídolo popular na cadeia. Saiu para ser
eleito presidente.
A fim de desmantelar a democracia
oligárquica da Venezuela, Chávez tratou de estabelecer vínculos diretos
com as massas. Como se limpasse
compulsivamente das próprias mãos
a nódoa do golpismo pregresso, criou
um ritual de sucessivos referendos em
que sua legitimidade é reiterada e seus
poderes ampliados. O próximo está
previsto para agosto de 2003.
Bem ou mal, havia na Venezuela um
condomínio de interesses organizados em torno da indústria do petróleo
que beneficiava setores amplos da
classe média e dos trabalhadores. A
democracia oligárquica era a expressão estável, desde os anos 50, dessa estrutura, que ruiu quando o modelo
pré-liberal entrou em crise no mundo
inteiro. Chávez governa seus escombros.
Incapaz de conter o empobrecimento do país, Chávez viu crescer a oposição empresarial e sindical a seu governo, que repete com ele o que ele se julgou no direito de fazer ao governo
eleito de 92. Chávez apóia-se cada vez
mais nos estratos mais pobres, favorecidos por políticas populistas e para
quem ele é um líder quase religioso,
que cultiva, aliás, um peculiar sincretismo de crenças enraizado na base da
sociedade venezuelana.
Formou-se um insólito equilíbrio de
forças, bem ilustrado pela deposição
de abril, caso inédito em que um presidente, afastado por golpe, reconquista a cadeira dois dias depois. A
oposição, em estado de desobediência
civil, não é forte o bastante para remover o coronel, nem o governo deste é
forte o bastante para se converter em
ditadura.
Valendo-se dos comandos militares
que o apóiam e de suas falanges de arruaceiros, Chávez pode tentar o golpe,
mas a massa crítica já obtida pela oposição parece destiná-lo a ser efêmero.
O mais provável é que Chávez seja, enfim, forçado a sair, se não nas próximas semanas ou meses, provavelmente no referendo de agosto, se ele não
for antecipado, o que também parece
plausível.
O desfecho da crise venezuelana poderá encerrar o ciclo do que se poderia
chamar de golpismo mobilizador de
esquerda na América Latina, numa
história que teve início em Fidel e Che
para terminar, no caso, em Chávez. A
consequência imediata seria limitar
ainda mais o horizonte do Plano B do
presidente Lula, caso seu Plano A -o
ortodoxo- fracasse.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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