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JOÃO SAYAD
Harold Pinter
"Nada é absolutamente falso
nem absolutamente verdadeiro", declarou Harold Pinter ao receber
o Prêmio Nobel de Literatura para a
língua inglesa. Depois, chamou o governo americano de mentiroso.
Verdade é como um corpo de mulher, envolto por um vestido largo e
solto. O artista puxa os panos do vestido para desvendar as formas que esconde. Puxa para trás para perceber o
formato dos seios. Estica para frente
para desvendar a forma dos quadris e
das pernas.
Acaba por inventar uma mulher linda e sensual a partir de um saco de pano que cobria um travesseiro.
Cientistas esticam e puxam modelos. Nos anos 60, a Força Aérea Americana queria um avião muito rápido e
com grande autonomia de vôo. Contratou três firmas de projetos.
A primeira projetou avião com o
maior alcance de vôo possível, sem levar em conta a velocidade. A segunda,
um avião que voasse a alta velocidade
sem levar em conta a autonomia de
vôo. A terceira fez um projeto equilibrado, levando em conta os dois objetivos ao mesmo tempo. A solução da
terceira firma foi medíocre.
A melhor solução foi a combinação
dos dois projetos radicais, que resultou num avião mais rápido e com
mais autonomia do que o projeto
equilibrado. Cientistas são "poetas
fortes".
O exemplo real foi apresentado por
Albert Hirschman ao defender a idéia
de que o desenvolvimento econômico, para ser desenvolvimento, é necessariamente desequilibrado. Há 20
anos, o Brasil e toda a América Latina
procuram o desenvolvimento equilibrado -equilíbrio macroeconômico,
economias abertas, apoio à pequena e
média empresa, sistema jurídico confortável para o investidor estrangeiro.
Crescemos 2,5% ao ano.
O crescimento na China é obra de
um equilibrista que mantém três pratos girando na ponta de bengalas, uma
em cada mão e a terceira no queixo
-um país sem sistema jurídico amigável para investimentos, exporta
mais do que importa, tem reservas
cambiais absurdamente altas, sistema
bancário insolvente e cresce mais do
que 9% ao ano.
A evidência não modifica uma vírgula dos discursos dos ministros de
economia e dos economistas politicamente corretos que apresentam o caso
chinês como um exemplo de suas propostas.
Arte e ciência rasgam as roupas da
língua, das formas de expressão consagradas e da lógica recebida em busca da liberdade e da verdade, que acabam inventando.
Embora a verdade não exista, a
mentira existe. Mentir é poder.
Harold Pinter atacou o discurso
americano. Que fala em implantação
de democracia no Iraque e no mundo
inteiro e é acusado de ter presídios
clandestinos na Europa Oriental, onde pratica a tortura. Não perdoou nada. Lembrou do apoio americano aos
governos militares da América Latina,
aos Contras nas guerras civis da América Central, à Guerra do Vietnã. A Secretária Condoleezza Rice viaja pela
Europa dizendo que tudo é mentira.
Harold Pinter não se conforma com
o que ele mesmo descobriu. Política é
poder e políticos são mentirosos.
A economia brasileira "cresce" baseada em sólidos "fundamentos" (um
travesseiro). Economia é política. Política é irritante.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net
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