São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Educação em crise

ARNALDO NISKIER


O Brasil, em matéria de educação, é uma espécie de doente crônico, cheio de contrastes. É um panorama altamente preocupante

O BRASIL , em matéria de educação, é uma espécie de doente crônico, cheio de contrastes.
Temos 14 milhões de analfabetos e uma pós-graduação de Primeiro Mundo; o ensino fundamental foi praticamente universalizado, mas a qualidade deixa muito a desejar; todos se preocupam com a educação profissional, mas o ensino médio ainda não encontrou seu caminho (é uma balbúrdia); o ensino superior pode crescer muito, mas são poucas as instituições de elite; os cursos de formação de professores são lamentáveis, como são lamentáveis os salários pagos aos quadros do magistério.
Diversos estudiosos consideram que os cursos de pedagogia são inaptos para formar bons profissionais.
Faculdades de pedagogia entregam ao mercado de trabalho docentes incapazes de assumir uma sala de aula e dominar turmas de alunos. Por quê? Porque muitos professores trazem limitações oriundas de uma educação básica falha. Cometem erros crassos de ortografia, têm dificuldade na compreensão de textos e total desconhecimento de conceitos científicos imprescindíveis. Tais problemas os acompanham pelo curso de pedagogia e saem de lá sem se livrar deles.
A mentalidade que reina no mundo acadêmico supervaloriza a teoria e menospreza a prática. O trabalho concreto em sala de aula é colocado no segundo plano, enfatizando a aplicação de conhecimentos filosóficos, antropológicos, políticos, históricos e econômicos à educação. A bibliografia adotada nos cursos ratifica o que ora afirmamos -são autores, com honrosas exceções, que apresentam temas de ideologias superadas, em prejuízo da parte referente ao trabalho do professor em sala de aula.
O estágio supervisionado é uma disciplina relegada e, às vezes, até inexistente. Como aprender a dar aula sem fazê-lo, antes, efetivamente, e com a devida orientação? Briga-se para pagar o piso de US$ 400 mensais aos professores de ensino fundamental (por 40 horas semanais) quando o Japão paga US$ 2.000. Com esse panorama, como duvidar de que a educação brasileira esteja mesmo em crise? Veja-se o caso presente da discussão em torno do sistema de cotas. De cinco anos para cá, é assunto dominante nas universidades. A Câmara dos Deputados colocou mais lenha na fogueira. Acreditamos que houve aprovação de um projeto altamente discutível. A reserva de 50% de vagas nas universidades federais para alunos egressos das escolas públicas apresenta preferências étnicas que são rigorosamente inconstitucionais.
Vagas serão preenchidas por descendentes de negros, pardos e indígenas na proporção da população de cada Estado. O cálculo terá por base o censo do IBGE. Haverá ainda reserva de metade das vagas para estudantes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita.
Se a Carta Magna proíbe a discriminação por motivo de raça, não é defensável o argumento de que se deve impor o movimento contrário. O inciso IV do artigo 3º da Constituição -a Constituição Cidadã- explicita literalmente este aspecto: "Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Cotas raciais não têm amparo legal e, na verdade, camuflam a leniência oficial em relação à qualidade do ensino público, este, sim, a merecer toda espécie inadiável de apoio. E tem mais: é uma agressão à autonomia universitária. Frise-se ainda que a Câmara entendeu que pode aliviar, por meio do novo mecanismo de cotas raciais e sociais, a obrigatoriedade dos exames de habilitação para o ensino superior.
Trata-se, na verdade, de uma imposição que, na prática, não funcionará.
O melhor exemplo é o que ocorreu na Uerj, a primeira universidade pública a adotar o sistema de cotas. São revelações do reitor Ricardo Vieiralves. Dos 1.320 alunos iniciais, concluíram os cursos escolhidos só 350 alunos. Por motivos diversos, em geral econômicos, houve grande evasão.
Vivemos um tempo difícil em nosso país, fruto também da desordem econômica mundial. Temos hoje cerca de 20 mil cursos superiores e a maioria deles se ressente da necessária excelência. Para complicar as coisas, os jovens desconhecem a chamadas "profissões do futuro", aquelas ligadas à alta tecnologia, genética e meio ambiente. Preferem os cursos tradicionais, desconhecendo a saturação que ocorre, sobretudo nos grandes centros urbanos, em profissões como medicina e direito.
Há uma sedução pelas profissões midiáticas, como publicidade e propaganda, jornalismo, audiovisual e artes cênicas, que estão entre as dez mais procuradas, com um pormenor essencial: são aquelas em que ocorre maior índice de desistências, pois o mercado de trabalho é bastante restrito. A geração nascida entre 1980 e 1995 é vítima desse equívoco. A era da interatividade não tem ajudado na escolha profissional adequada. É um panorama altamente preocupante.

ARNALDO NISKIER, 73, professor, jornalista e escritor, é membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do Ciee/Rio.



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