São Paulo, quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os sonhos estão mais vivos do que nunca

JOSÉ DIRCEU

O governo Lula, repito, recebeu uma herança maldita. Ainda são muitas as minas deixadas no caminho pela fatídica gestão anterior

A MENTIRA é um recurso inesgotável na política, desde que seus autores tenham acesso aos meios de comunicação para disseminá-la como fato. O célebre mantra do propagandista-chefe do nazismo, Joseph Goebbels, segundo o qual uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade, continua a fazer escola. Fiz a constatação ao ler o artigo com o título "Vão-se os sonhos, ficam os anéis", publicado neste espaço, no último dia 24, assinado por Eduardo Graeff, secretário-Geral da Presidência no governo tucano do presidente Fernando Henrique Cardoso.
No artigo, Graeff recorre a trecho de reportagem a meu respeito publicada na revista "Piauí", na qual erroneamente é associada ao filho do presidente da República, Fábio Luiz da Silva, critica minha a um jornalista por conta do acompanhamento estapafúrdio que fazia sobre o governo em seu trabalho jornalístico. Evidentemente, ao falar de reportagens erradas, com declarações atribuídas a mim e ao presidente sem que as tivéssemos prestado, eu não poderia estar me referindo a Fábio Luiz, que não é e nunca foi jornalista.
Na reportagem, a revista registra um fato não ocorrido: uma reclamação minha ao presidente da República sobre negócios entre a empresa de seu filho, Gamecorp, e a Telemar. Desmenti isso à revista e em nota pública. O que fiz foi protestar, em diversos momentos, contra o tratamento leviano que vários meios de comunicação deram ao negócio absolutamente legal entre essas companhias, com o objetivo único de desgastar o chefe de Estado.
Mas Graeff, em seu artigo, não se contentou em lançar mão de informação desmentida por mim. Ao fazê-lo, inventou episódios que nem sequer estão presentes na reportagem, ressaltando que eu teria mencionado "uma conversa com Lula sobre os milhões investidos pela Telemar na firma de videogames do filho do presidente". Essa mentira vulgar serve de escada para conclusão pré-fabricada pelo ex-secretário-geral da Presidência, de que trocamos, o presidente e eu, nossos compromissos de esquerda pelo "mundo dos negócios". Seu mote, para tanto, é o processo de aquisição da Brasil Telecom pela Telemar, que pode ser chancelado pelo governo nos próximos dias, especulando que tal decisão seria moeda de troca pela publicidade desta companhia na Gamecorp.
A hipocrisia tucana não conhece limites. Quer dizer que a intervenção do governo na reestruturação da economia e dos monopólios, quando ocorre, é por motivação escusa? O que se deve concluir, então, das privatizações feitas pela administração FHC? Devemos procurar nas contas de ex-ministros e antigos auxiliares os motivos para o governo tucano ter dilapidado patrimônio público, desorganizado o Estado e travado o desenvolvimento do país? Bom assunto para a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Além do mais, o crime de lesa-pátria, cometido pela coalizão PSDB-DEM ao vender empresas estatais na bacia das almas, é o mais hediondo de todos, porque atenta contra os direitos do povo e ameaça a soberania nacional. Em outras circunstâncias históricas, seria razão suficiente para os responsáveis por esses atentados contra os brasileiros estarem respondendo por suas malfeitorias na Justiça.
O governo Lula, repito, recebeu uma herança maldita. Faz parte desse inventário macabro a abertura descontrolada de nossa economia e do sistema de telecomunicação ao capital internacional, a quem os tucanos revelaram inédita submissão. Não está em pauta, evidentemente, a recuperação do controle estatal sobre companhias privatizadas, mas é obrigação do governo intervir para bloquear e reverter a desnacionalização de setores fundamentais da economia. O desastre patrocinado pelo tucanato foi tão grave que, cinco anos após a posse inaugural do presidente Lula, ainda são muitas as minas deixadas no caminho pela fatídica gestão anterior. Esse é o pano de fundo que mobiliza a administração federal na discussão da compra da Brasil Telecom pela Telemar.
No mais, como pode o senhor Graeff questionar meu direito de trabalhar para viver? Banido da vida institucional no curso da escalada patrocinada pelas forças conservadoras para derrubar o governo Lula, tenho que encontrar meu sustento profissionalmente. Esta é minha obrigação como pai e cidadão. Porque não me afasto das trincheiras e compromissos de toda a minha vida, gente como Graeff talvez preferisse que até esse direito me fosse arrancado, obrigando-me a um novo exílio ou à clandestinidade.
Minhas contas foram devastadas pela Receita Federal: tenho como patrimônio a casa onde moro e somente sobrevivo se trabalhar, e muito. Ao contrário de tantos tucanos, os petistas não fazem, ao sair do governo, a impressionante mutação de professores e funcionários em banqueiros, financistas e plutocratas. Exatamente porque mantemos nossos compromissos históricos, nossa moral socialista e nossa missão no combate do povo brasileiro por sua libertação.


JOSÉ DIRCEU, 61, advogado, é ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República. Teve seu mandato de deputado federal pelo PT-SP cassado em 2005.

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