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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os sonhos estão mais vivos do que nunca
JOSÉ DIRCEU
O governo Lula, repito, recebeu uma herança maldita. Ainda são muitas as minas deixadas no caminho pela fatídica gestão anterior
A MENTIRA é um recurso inesgotável na política, desde que
seus autores tenham acesso
aos meios de comunicação para disseminá-la como fato. O célebre mantra
do propagandista-chefe do nazismo,
Joseph Goebbels, segundo o qual
uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade, continua a fazer escola. Fiz a constatação ao ler o artigo
com o título "Vão-se os sonhos, ficam
os anéis", publicado neste espaço, no
último dia 24, assinado por Eduardo
Graeff, secretário-Geral da Presidência no governo tucano do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
No artigo, Graeff recorre a trecho
de reportagem a meu respeito publicada na revista "Piauí", na qual erroneamente é associada ao filho do presidente da República, Fábio Luiz da
Silva, critica minha a um jornalista
por conta do acompanhamento estapafúrdio que fazia sobre o governo em
seu trabalho jornalístico. Evidentemente, ao falar de reportagens erradas, com declarações atribuídas a
mim e ao presidente sem que as tivéssemos prestado, eu não poderia estar
me referindo a Fábio Luiz, que não é e
nunca foi jornalista.
Na reportagem, a revista registra
um fato não ocorrido: uma reclamação minha ao presidente da República sobre negócios entre a empresa de
seu filho, Gamecorp, e a Telemar.
Desmenti isso à revista e em nota pública. O que fiz foi protestar, em diversos momentos, contra o tratamento leviano que vários meios de comunicação deram ao negócio absolutamente legal entre essas companhias,
com o objetivo único de desgastar o
chefe de Estado.
Mas Graeff, em seu artigo, não se
contentou em lançar mão de informação desmentida por mim. Ao fazê-lo, inventou episódios que nem sequer estão presentes na reportagem,
ressaltando que eu teria mencionado
"uma conversa com Lula sobre os milhões investidos pela Telemar na firma de videogames do filho do presidente". Essa mentira vulgar serve de
escada para conclusão pré-fabricada
pelo ex-secretário-geral da Presidência, de que trocamos, o presidente e
eu, nossos compromissos de esquerda pelo "mundo dos negócios". Seu
mote, para tanto, é o processo de
aquisição da Brasil Telecom pela Telemar, que pode ser chancelado pelo
governo nos próximos dias, especulando que tal decisão seria moeda de
troca pela publicidade desta companhia na Gamecorp.
A hipocrisia tucana não conhece limites. Quer dizer que a intervenção
do governo na reestruturação da economia e dos monopólios, quando
ocorre, é por motivação escusa? O
que se deve concluir, então, das privatizações feitas pela administração
FHC? Devemos procurar nas contas
de ex-ministros e antigos auxiliares
os motivos para o governo tucano ter
dilapidado patrimônio público, desorganizado o Estado e travado o desenvolvimento do país? Bom assunto
para a polícia, o Ministério Público e o
Poder Judiciário. Além do mais, o crime de lesa-pátria, cometido pela coalizão PSDB-DEM ao vender empresas estatais na bacia das almas, é o
mais hediondo de todos, porque atenta contra os direitos do povo e ameaça
a soberania nacional. Em outras circunstâncias históricas, seria razão suficiente para os responsáveis por esses atentados contra os brasileiros estarem respondendo por suas malfeitorias na Justiça.
O governo Lula, repito, recebeu
uma herança maldita. Faz parte desse
inventário macabro a abertura descontrolada de nossa economia e do
sistema de telecomunicação ao capital internacional, a quem os tucanos
revelaram inédita submissão. Não está em pauta, evidentemente, a recuperação do controle estatal sobre
companhias privatizadas, mas é obrigação do governo intervir para bloquear e reverter a desnacionalização
de setores fundamentais da economia. O desastre patrocinado pelo tucanato foi tão grave que, cinco anos
após a posse inaugural do presidente
Lula, ainda são muitas as minas deixadas no caminho pela fatídica gestão
anterior. Esse é o pano de fundo que
mobiliza a administração federal na
discussão da compra da Brasil Telecom pela Telemar.
No mais, como pode o senhor
Graeff questionar meu direito de trabalhar para viver? Banido da vida institucional no curso da escalada patrocinada pelas forças conservadoras para derrubar o governo Lula, tenho que
encontrar meu sustento profissionalmente. Esta é minha obrigação como
pai e cidadão. Porque não me afasto
das trincheiras e compromissos de
toda a minha vida, gente como Graeff
talvez preferisse que até esse direito
me fosse arrancado, obrigando-me a
um novo exílio ou à clandestinidade.
Minhas contas foram devastadas pela
Receita Federal: tenho como patrimônio a casa onde moro e somente
sobrevivo se trabalhar, e muito. Ao
contrário de tantos tucanos, os petistas não fazem, ao sair do governo, a
impressionante mutação de professores e funcionários em banqueiros,
financistas e plutocratas. Exatamente
porque mantemos nossos compromissos históricos, nossa moral socialista e nossa missão no combate do
povo brasileiro por sua libertação.
JOSÉ DIRCEU, 61, advogado, é ex-ministro-chefe da Casa
Civil da Presidência da República. Teve seu mandato de
deputado federal pelo PT-SP cassado em 2005.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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