São Paulo, sábado, 13 de março de 2010

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Editoriais

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Glauco

NAQUELA que viria a ser a sua última charge política nesta página, publicada na terça-feira, o cartunista Glauco Vilas Boas desenhava, contra um fundo lilás, uma grande caixa-forte. Numa tabuleta, os dizeres: "cofres públicos". Abre-se a porta do cofre, na metade inferior da imagem, e dele saem, em fila, os irmãos Metralha.
O leitor habituado aos padrões de corrosividade que sempre marcaram a caricatura política nos jornais brasileiros não podia deixar de notar, com um sorriso, o que havia de singelo, de quase infantil nos desenhos de Glauco. Expressavam, sobretudo, uma viva pureza de sentimentos e de estilo -que, ao longo de mais de três décadas de trabalho, o artista nunca perdeu.
Tanto quanto as misérias da vida política, também os aspectos mais degradados do cotidiano -o inferno conjugal, a solidão afetiva, a dependência química, a violência urbana- recebiam nas tiras de Glauco para a Ilustrada um tratamento ao mesmo tempo extremado e doce.
O crime, a neurose, a dependência e o desespero encarnavam-se -ou melhor, descarnavam-se- numa série de personagens antológicos, que o desenho febril depurava a um mínimo denominador comum de humanidade, para melhor captá-los na angústia e na pressa de existir.
A notícia do brutal assassinato de Glauco Vilas Boas, aos 53 anos, e de seu filho Raoni, aos 25, eclode com toda aquela realidade que o artista, de um modo terno, desesperado e mágico, quis sempre exorcizar.
Mas a realidade urbana do Brasil de hoje -com o que traz de crime, de demência e de absurdo- não haverá de manter-se indefinidamente assim. Que permaneça, apenas, a maneira com que Glauco a retratou: com um olhar de espanto e horror, mas também impregnado de graça e compaixão.


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