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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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MANTRA FISCAL

A publicação do texto "Política Econômica e Reformas Estruturais" pelo Ministério da Fazenda, semana passada, é mais uma evidência de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva muitas vezes pensa mais no marketing em torno de políticas supostamente novas do que na efetiva formulação de propostas.
Assim como já ocorreu com o Fome Zero e no debate sobre as reformas (especialmente a tributária e a previdenciária), há nos pronunciamentos oficiais mais fogo que luz.
O documento da Fazenda é a reafirmação detalhada das orientações de curto prazo que, desde a posse, o governo Lula copia do governo FHC.
Mas, se até agora a suposta "transição" tinha como justificativa retórica a "pesada herança" do governo anterior, a equipe do ministro Palocci agora pretende acabar com a polêmica. Fixa, num horizonte de dois mandatos presidenciais, a adesão lulista ao figurino da ortodoxia, tão ao gosto do Fundo Monetário Internacional e das instituições financeiras.
O texto não diz a que vem, nada traz de novo, mas supostamente pretende induzir nos mercados a crença de que nada mudará na política econômica até onde a vista alcança.
Diante de manifestações crescentes de críticas, o documento é uma demonstração praticamente irrefutável de que o governo Lula dirige o país guiando-se pelo espelho retrovisor.
Para os economistas críticos, que ainda ocupam o espaço outrora frequentado por alguns que agora se encontram no governo, não basta fazer o ajuste fiscal para superar os entraves ao desenvolvimento.
Mais ainda: esses críticos insistem na tese de que o problema da economia brasileira não é de humor dos mercados. O aspecto crucial é reduzir objetivamente a dependência de capitais externos e inserir competitivamente a economia brasileira nos mercados mundiais.
O documento da Fazenda trata esses temas de modo marginal e sobretudo do ponto de vista microeconômico, nem sequer admitindo a necessidade de um planejamento estratégico, de um modelo de desenvolvimento. Quanto aos ministérios que supostamente teriam algo a dizer nessa área, a começar pelo Planejamento, o silêncio é constrangedor.
Para os críticos mais conservadores, no entanto, é evidente que a atual bonança do risco Brasil entre os investidores é fenômeno de curto prazo, calcado na manutenção de juros altos e num garrote fiscal que destrói a competitividade do país.
Alguns já acusam o governo petista de romper contratos, pois percebem que os ministérios setoriais mantiveram ou buscam recuperar prerrogativas regulatórias, por exemplo na definição de tarifas, corrompendo na prática a política econômica aparentemente consistente na retórica do Ministério da Fazenda.
Os místicos hindus recorrem frequentemente a "mantras", oração que em sânscrito significa "instrumento para conduzir o pensamento". Acreditam que o uso de fórmulas encantatórias tem o poder de materializar a divindade invocada.
No governo de Lula, como de resto já ocorria na administração de FHC, essa divindade é a confiança dos "mercados", e o mantra do ajuste fiscal é repetido à exaustão, sem convencer aqueles que observam a realidade com os olhos da razão.



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