São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2006

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UM RELATÓRIO EXEMPLAR

O Ministério Público era um personagem ausente no escândalo do mensalão. Destoando da imagem que a atuação espalhafatosa de certos procuradores emprestou ao órgão nas crises do passado, a discrição desta feita foi a marca da equipe do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Até anteontem, porém, persistia a dúvida: a discrição seria o indício de um trabalho sério ou apenas o disfarce da passividade?
A resposta, eloqüente, veio na forma de uma denúncia exemplar apresentada ao Supremo Tribunal Federal. A sustentar a peça criminal, o MP produziu um relatório que já figura entre os poucos avanços institucionais gerados como reação a esse grave episódio da política nacional. A partir daqui, o escândalo da compra de parlamentares pelo governismo passa a ter na denúncia assinada pelo procurador-geral a sua principal e mais fidedigna narrativa.
Os delitos -formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, peculato, entre outros- tinham o objetivo, diz Fernando de Souza (páginas 11 e 12), de "garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores mediante a compra de suporte político de outros partidos e do financiamento futuro e pretérito das suas próprias campanhas eleitorais".
O MP não tem pejo de denominar o esquema que foi montado no núcleo do Executivo federal, com ramificações em agências de publicidade e no setor financeiro, de "quadrilha" -termo que aparece 51 vezes no relatório de 136 páginas. Na chefia do "núcleo político-partidário" do esquema, a denúncia identifica o ex-ministro José Dirceu e os então dirigentes do PT José Genoino (presidente), Delúbio Soares (tesoureiro) e Sílvio Pereira (secretário-geral).
Os quatro, relata a denúncia, "estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares em troca de ajuda financeira".
Marcos Valério de Souza, "um verdadeiro profissional do crime", nas palavras de Fernando de Souza, "já tendo prestado serviços delituosos semelhantes ao PSDB em Minas Gerais, na eleição para governador do hoje senador Eduardo Azeredo (PSDB)", levou "know-how" ao petismo governista. Para o MP, Valério capitaneou o "núcleo publicitário-financeiro" do esquema, que gerenciava a circulação do dinheiro e recebia vantagens do governo federal.
Da trama, tal como ela é descrita pelo procurador-geral, também participou o Banco Rural, que, "em troca de vantagens indevidas, ingressou na organização criminosa com o aporte de recursos milionários, mediante empréstimos simulados, além de montar uma sofisticada estrutura de lavagem de capitais para o repasse dos valores pagos aos destinatários finais".
A explicação petista, de que tudo não teria passado da manifestação de "distorções do sistema de financiamento eleitoral brasileiro", fica superada pela denúncia de Antonio Fernando de Souza. O que está descrito ali é um complexo esquema, montado pelo PT e pelo núcleo do governo federal, que se valeu de cargos no Executivo, da compra de parlamentares com dinheiro sujo e da oferta de facilidades a bancos e empresas em seus negócios com o governo. A intenção era perpetuar um grupo político no poder.
Diante da dimensão oceânica da denúncia, que acusa 40 pessoas de práticas criminosas, a capacidade técnica do Supremo Tribunal Federal de produzir justiça está posta em questão. O ministro que recebeu a peça do MP não vislumbra nem o espaço físico para atender a tanta gente e a seus procuradores. Mas essa não pode ser a desculpa para que, ao final, a lentidão da Justiça venha a beneficiar delinqüentes. Que o exemplo do avanço institucional demonstrado pelo MP na forma como conduziu esse caso até aqui estimule o Judiciário para que acelere, respeitando estritamente o Estado de Direito, a produção dos veredictos.


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