São Paulo, sexta-feira, 13 de abril de 2007

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JOSÉ SARNEY

O fantasma da desigualdade

A IGUALDADE sempre foi o grande sonho do homem desde que teve consciência de sua condição humana. Fizeram-se revoluções, escreveram-se tratados, pensadores, poetas e políticos construíram fórmulas e meios de chegarmos a ela. A grande Revolução Francesa, de 1789, considerada um marco na história da humanidade, resumiu seus ideais em três palavras chaves e divinas: liberdade, igualdade e fraternidade.
Na Declaração da Independência americana, Thomas Jefferson ampliava essas aspirações, dizendo que todos os homens têm direito à "busca da felicidade". Associava-se a felicidade aos anseios do homem. Chegou-se a considerar que o século 18 fosse o da liberdade, o 19, o da igualdade, e o 20, o da fraternidade. E qual seria o da felicidade?
Os poetas divagaram muito sobre ela -e até mesmo se ela existe. Hoje, estudiosos da alma humana buscam em Jung a visão de que todos morremos frustrados, com a mágoa de não termos vivido a vida que deveríamos ter vivido. E aí entra a angústia dos erros, dos pecados e até mesmo de ter pecado. Borges dizia que se tivesse de viver de novo não seria tão prudente quanto foi, sempre "usando pára-quedas".
Divagações à parte, leio que estamos num período em que a desigualdade diminui no país e 7 milhões de brasileiros rompem a linha da pobreza. Mas me preocupam não só a desigualdade de pessoas como as desigualdades espaciais. Estas marcarão o futuro dos países e do mundo. Já 17 países, no balanço alimentar e de modos de sobrevivência, não têm condições de existir e vivem da caridade.
Surge o problema da água como o mais dramático dos tempos que virão. Todos somos água, e faltará água para que a vida continue. Onde ela existe não se pode mudar, pois a geografia é a única coisa imexível, como diria certo ministro dos anos 90, embora no mistério que Deus utilizou para fazer o mundo até hoje não nos permite saber o que acontecerá com as mudanças climáticas.
Continuo pensando que, no Brasil, o grande problema ainda é e será o das desigualdades regionais. O centro-sul transformou-se num buraco negro, que é um lugar em que a gravidade é tanta que nem a luz escapa de sua atração. É o que acontece com as regiões pobres do Brasil, sugadas pelo centro-sul. O único período em que as desigualdades regionais inverteram suas setas foi nos anos 85-90. Continua a concentração irresistível. Nesta semana, uma pessoa falou-me das saudades e da beleza de sua cidade em Goiás, mas terminou dizendo-me: "Me corta o coração, porque a população está diminuindo, só ficam os velhos".
Os novos são atraídos pelo centro-sul. O interior vira fantasma, e no Norte e no Nordeste é pior.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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