São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O momento de agir

JACQUES DIOUF


As políticas agrícolas e de segurança alimentar precisam ser revistas para responder a esses novos desafios


A AGRICULTURA e a segurança alimentar mundial enfrentam desafios que vão do crescimento populacional ao aquecimento global. Em grande medida, nosso futuro será moldado por nossas reações. Precisamos responder com estratégias sustentáveis que considerem as necessidades dos mais vulneráveis e a segurança alimentar.
O meio ambiente não é imune ao crescimento agrícola, como mostra a redução das áreas florestais. A mudança climática afeta a agricultura e vidas em geral de modo impensável há algumas décadas.
A tendência de usar commodities agrícolas para produzir biocombustíveis surgiu com a promessa de mitigar a mudança climática, mas trouxe incertezas por causa dos riscos à segurança alimentar. O mundo tem 862 milhões de pessoas com fome, das quais 52 milhões vivem na América Latina e no Caribe. E esse número pode aumentar com a alta dos preços dos alimentos.
As políticas agrícolas e de segurança alimentar precisam ser revistas para responder a esses novos desafios. E é nesse momento crítico que será realizada a 30ª Conferência Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, de 14 a 18 de abril, em Brasília. Muitos temas importantes serão discutidos nesse encontro, incluindo doenças transfronteiriças de animais, inocuidade de alimentos, produção de biocombustíveis, segurança alimentar, reforma agrária e desenvolvimento rural.
Precisamos aproveitar esse fórum regional para buscar soluções viáveis para esses desafios. Nessa discussão, não podemos deixar os riscos ofuscarem as oportunidades.
A alta dos preços dos alimentos pode aumentar a fome, mas também há milhões de pequenos agricultores que podem se beneficiar dessa situação. A Cepal estima que 36,1 milhões de indigentes, pouco mais da metade do total da região, vivam no campo. Se conseguirmos apoiá-los a produzir mais e melhor, para consumo próprio e venda em mercados locais, podemos salvar milhões de pessoas da fome e da pobreza extrema.
A transferência dos preços altos das commodities agrícolas aos agricultores pode aumentar a oferta e incentivar os investimentos. Para aproveitar as oportunidades, precisamos de políticas consistentes e sustentáveis e de investimentos em capital humano, infra-estrutura rural e outros bens públicos.
Programas de transferência condicionada de renda estão sendo usados em vários países da América Latina para alcançar esses objetivos e ajudam a explicar a redução da fome e da pobreza extrema na região. A experiência brasileira com o Fome Zero demonstra que tais programas são mais efetivos quando integrados a ações que auxiliam as pessoas a superar a pobreza com o próprio esforço.
Como dizia Betinho: "Quem tem fome tem pressa". Conciliando ações imediatas com outras de médio e longo prazo, podemos avançar na superação da pobreza e da fome. O momento de agir é agora, e precisamos de um esforço integrado para enfrentar desafios cada vez mais complexos.
Recentemente, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que temos as ferramentas e as tecnologias necessárias para superar a fome e que precisamos de vontade política e de melhores investimentos.
Os comentários do secretário-geral da ONU ecoam a visão da FAO e as conclusões da Cúpula Mundial da Alimentação de 2002. Temos confiança de que, juntos -governos, agências internacionais, sociedade civil e empresas-, poderemos enfrentar melhor esse desafio.
A bioenergia também oferece uma oportunidade de promover o desenvolvimento em alguns países pobres. No entanto, essa promessa só se realizará se as decisões certas forem tomadas e se forem implantadas políticas para garantir a segurança alimentar.
Nesse contexto, o mundo precisa de uma estratégia internacional de bioenergia que considere as necessidades das populações mais vulneráveis. Um passo importante nessa direção é a Conferência de Alto Nível sobre Segurança Alimentar Mundial e os Desafios da Mudança Climática e Bioenergia, que será promovida pela FAO de 3 a 5 de junho de 2008.
Um dos objetivos dessa conferência é trabalhar pelo estabelecimento de políticas, estratégias e programas que assegurem a agricultura sustentável, o desenvolvimento rural e a segurança alimentar.
No seu último Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, o Banco Mundial fala numa "nova agricultura". A FAO, um centro de excelência nas áreas de agricultura, pesca, florestas e recursos naturais, está olhando para os desafios e as oportunidades do futuro. Com a participação ativa dos nossos países-membros na América Latina e no Caribe, podemos dar um forte impulso à luta contra a fome e a pobreza.


JACQUES DIOUF , 69, engenheiro agrícola, doutor em economia agrícola pela Sorbonne (Paris, França), é diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
www.fao.org


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