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IGOR GIELOW
A sombra de Lassance
BRASÍLIA - Quando o médico
Carlos Chagas concluiu seu magnífico feito científico, ao determinar o
ciclo do mal que leva seu nome, o
brasileiro médio não tinha esperança de viver mais que 30 e poucos
anos. Cem anos depois, a expectativa de vida mais que dobrou.
É pessimismo inconsequente ignorar que, se não atinge níveis escandinavos de conforto social, o
Brasil passou por um processo brutal de modernização do século 20
para cá. O quadro fica um pouco
menos róseo, contudo, quando você
lê uma reportagem como a que esta
Folha publicou ontem, revisitando
a cidade em que Chagas fez o seu
trabalho.
Lassance, um rincão perdido em
Minas Gerais, ainda registra casos
do mal de Chagas. Insetos vetores
da doença infestam casas construídas de modo análogo às feitas em
1909. Parece inacreditável, mas é
perfeitamente explicável.
Por ser doença de pobre, o mal de
Chagas nunca atraiu recursos suficientes dos grandes laboratórios
para aprimorar seu tratamento. A
melhor prevenção ainda é matar os
barbeiros, insetos hematófagos que
carregam o protozoário causador
da doença. Para piorar tudo, a doença está se propagando por regiões
da América Latina em que não
ocorria, como relata a revista "The
Economist" desta semana.
Qual a saída? Investimento em
pesquisa. Fazer com que o Brasil
saia de sua posição vexatória de país
que investe pouco em pesquisa e
desenvolvimento -algo mais que
1% do PIB, incluindo na conta os investimentos públicos e privados.
Hoje o país tem um desempenho
pífio no registro de patentes, perdendo feio não só para o ricos mas
para nações que investiram pesadamente em educação, como a Coreia
do Sul. Não é fortuito, pois, que tenhamos tão poucos Carlos Chagas
para celebrar. E tantas Lassances
a jogar sombras sobre a justa
comemoração.
igor.gielow@grupofolha.com.br
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