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TENDÊNCIAS/DEBATES
A composição do Congresso Nacional tem piorado nas últimas legislaturas?
NÃO
O Congresso não é mais dos plutocratas
FABIANO SANTOS
Ouvi, recentemente , em debate
televisivo, a afirmação de acordo
com a qual experimentamos notória deterioração, em particular se tomarmos
como medida de comparação o Legislativo de 30 anos atrás. Fiz as contas e,
perplexo, constatei que, a concordar
com o argumento, deveríamos ter saudades do que acontecia naquela instituição nos áureos tempos da ditadura!
É muito impressionante a pressa com
a qual afirmações são feitas sobre a
composição do Legislativo brasileiro
atual sem a busca das informações pertinentes, muito menos de reflexões minimamente sofisticadas, capazes de
persuadir o ouvido menos precipitado.
É muito fácil ganhar o aplauso e a concordância da audiência supostamente
educada em um contexto de polarização política e sistemático bombardeio
de informações a indicar a participação
de legisladores em supostas falcatruas
-basta utilizar palavras fortes, tom indignado e imagens diluídas.
Nenhum indicador confiável nos provará que a composição do atual Congresso é pior relativamente a qualquer
outro que ajudamos a eleger na história
brasileira. Para começar, tome o mais
eloqüente deles: a quantidade de escândalos, ou montante envolvido na apuração feita pelas CPIs e pelo Ministério
Público. Uma objeção óbvia é a seguinte: tais valores são evidências de quê?
Provam que os atuais congressistas são
mais corruptos do que os congressistas
do passado ou que as instituições fiscalizadoras encontram-se mais fortalecidas? Provam que as relações entre Executivo e Legislativo estão deterioradas
no atual governo ou que a imprensa se
encontra mais à vontade para investigar
e publicar matérias? Confesso ter dificuldades em concordar com uma teoria
da história que defende o inexorável aumento da taxa de corrupção de legisladores ao longo do tempo. A mesma dificuldade tenho com a afirmação segundo a qual o PT inventou a prática de trocar apoio no Congresso por distribuição
de recursos de campanha, eventualmente desviados para outras finalidades, para partidos e lideranças aliados.
Passemos então a outro indicador: a
produção legislativa. Hoje, o Executivo
domina o processo decisório, restando
aos legisladores propor uma infinidade
de projetos irrelevantes e que na esmagadora maioria dos casos não são bem
elaborados, morrendo, por isso, na Comissão de Constituição e Justiça.
Duas objeções importantes cabem
aqui. Em relação à quantidade, seria interessante que algum dado comparativo
fosse apresentado. Aliás, nem é preciso,
pois eles existem e são suficientemente
elucidativos. Em qualquer lugar do
mundo democrático atual, existe a preponderância do Executivo no processo
decisório, sendo esta uma dinâmica de
longo curso que tem sua raiz nas crescentes funções do Estado na vida econômica e social das nações industriais.
Mesmo nos Estados Unidos, país no
qual o Legislativo se instrumentalizou
para competir com o governo na esfera
decisória, percebe-se hoje em dia intenso debate em torno da utilização das
"executive orders", espécie de medida
provisória extraconstitucional, as quais
têm conferido enorme autonomia ao
Executivo na regulamentação da economia norte-americana.
No que concerne à qualidade, é preciso muito cuidado na avaliação. Desde a
redemocratização, os congressistas têm
procurado atuar nas áreas que lhe são
permitidas pela Constituição, sendo a
área social a principal delas -inúmeras
leis de aperfeiçoamento dos direitos de
minorias têm sido aprovadas com impactos importantes na vida de indivíduos e grupos.
Se compararmos o Legislativo atual
com o Congresso do período democrático precedente (descarto, por pressuposto, qualquer comparação com o
Congresso durante a ditadura), ou seja,
que funcionou de 1946 até o golpe de
1964, o que notamos é um impressionante processo de democratização da
representação. Hoje em dia, temos muito mais mulheres, mais trabalhadores e
pessoas sem diploma universitário do
que tínhamos no pós-guerra. Isto por
um lado é bom, pois aproxima a ecologia congressual do perfil demográfico
da sociedade brasileira, mas pode e tem
apresentado problemas.
O Congresso contemporâneo não é
composto de plutocratas -em sua
maioria, são políticos profissionais que
fazem da atividade parlamentar ou política em geral seu ganha pão. Neste contexto, ajuda pouco se falar na qualidade
pessoal do legislador, como de resto em
uma democracia de massa a questão da
qualidade não pode incidir sobre as pessoas, mas sim sobre as instituições e
seus incentivos. Neste sentido, o que temos visto é, de fato, um aperfeiçoamento institucional de longo curso, com freqüentes iniciativas sendo tomadas no
intuito de fortalecer os mecanismos de
investigação e a capacitação do Legislativo para o debate qualificado com o
Executivo no âmbito da produção de
políticas públicas.
Fabiano Santos, cientista político, é professor
do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro), onde coordena o Núcleo de Estudos sobre o Congresso.
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