São Paulo, sábado, 13 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A composição do Congresso Nacional tem piorado nas últimas legislaturas?

NÃO

O Congresso não é mais dos plutocratas

FABIANO SANTOS

Ouvi, recentemente , em debate televisivo, a afirmação de acordo com a qual experimentamos notória deterioração, em particular se tomarmos como medida de comparação o Legislativo de 30 anos atrás. Fiz as contas e, perplexo, constatei que, a concordar com o argumento, deveríamos ter saudades do que acontecia naquela instituição nos áureos tempos da ditadura!
É muito impressionante a pressa com a qual afirmações são feitas sobre a composição do Legislativo brasileiro atual sem a busca das informações pertinentes, muito menos de reflexões minimamente sofisticadas, capazes de persuadir o ouvido menos precipitado. É muito fácil ganhar o aplauso e a concordância da audiência supostamente educada em um contexto de polarização política e sistemático bombardeio de informações a indicar a participação de legisladores em supostas falcatruas -basta utilizar palavras fortes, tom indignado e imagens diluídas.
Nenhum indicador confiável nos provará que a composição do atual Congresso é pior relativamente a qualquer outro que ajudamos a eleger na história brasileira. Para começar, tome o mais eloqüente deles: a quantidade de escândalos, ou montante envolvido na apuração feita pelas CPIs e pelo Ministério Público. Uma objeção óbvia é a seguinte: tais valores são evidências de quê? Provam que os atuais congressistas são mais corruptos do que os congressistas do passado ou que as instituições fiscalizadoras encontram-se mais fortalecidas? Provam que as relações entre Executivo e Legislativo estão deterioradas no atual governo ou que a imprensa se encontra mais à vontade para investigar e publicar matérias? Confesso ter dificuldades em concordar com uma teoria da história que defende o inexorável aumento da taxa de corrupção de legisladores ao longo do tempo. A mesma dificuldade tenho com a afirmação segundo a qual o PT inventou a prática de trocar apoio no Congresso por distribuição de recursos de campanha, eventualmente desviados para outras finalidades, para partidos e lideranças aliados.
Passemos então a outro indicador: a produção legislativa. Hoje, o Executivo domina o processo decisório, restando aos legisladores propor uma infinidade de projetos irrelevantes e que na esmagadora maioria dos casos não são bem elaborados, morrendo, por isso, na Comissão de Constituição e Justiça.
Duas objeções importantes cabem aqui. Em relação à quantidade, seria interessante que algum dado comparativo fosse apresentado. Aliás, nem é preciso, pois eles existem e são suficientemente elucidativos. Em qualquer lugar do mundo democrático atual, existe a preponderância do Executivo no processo decisório, sendo esta uma dinâmica de longo curso que tem sua raiz nas crescentes funções do Estado na vida econômica e social das nações industriais. Mesmo nos Estados Unidos, país no qual o Legislativo se instrumentalizou para competir com o governo na esfera decisória, percebe-se hoje em dia intenso debate em torno da utilização das "executive orders", espécie de medida provisória extraconstitucional, as quais têm conferido enorme autonomia ao Executivo na regulamentação da economia norte-americana.
No que concerne à qualidade, é preciso muito cuidado na avaliação. Desde a redemocratização, os congressistas têm procurado atuar nas áreas que lhe são permitidas pela Constituição, sendo a área social a principal delas -inúmeras leis de aperfeiçoamento dos direitos de minorias têm sido aprovadas com impactos importantes na vida de indivíduos e grupos.
Se compararmos o Legislativo atual com o Congresso do período democrático precedente (descarto, por pressuposto, qualquer comparação com o Congresso durante a ditadura), ou seja, que funcionou de 1946 até o golpe de 1964, o que notamos é um impressionante processo de democratização da representação. Hoje em dia, temos muito mais mulheres, mais trabalhadores e pessoas sem diploma universitário do que tínhamos no pós-guerra. Isto por um lado é bom, pois aproxima a ecologia congressual do perfil demográfico da sociedade brasileira, mas pode e tem apresentado problemas.
O Congresso contemporâneo não é composto de plutocratas -em sua maioria, são políticos profissionais que fazem da atividade parlamentar ou política em geral seu ganha pão. Neste contexto, ajuda pouco se falar na qualidade pessoal do legislador, como de resto em uma democracia de massa a questão da qualidade não pode incidir sobre as pessoas, mas sim sobre as instituições e seus incentivos. Neste sentido, o que temos visto é, de fato, um aperfeiçoamento institucional de longo curso, com freqüentes iniciativas sendo tomadas no intuito de fortalecer os mecanismos de investigação e a capacitação do Legislativo para o debate qualificado com o Executivo no âmbito da produção de políticas públicas.


Fabiano Santos, cientista político, é professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), onde coordena o Núcleo de Estudos sobre o Congresso.


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