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TENDÊNCIAS/DEBATES
O cinema e a cidade
NABIL BONDUKI
A desertificação das ruas nas
cidades contemporâneas é um dos
sintomas mais graves da decadência da
civilização urbana. Detectada com primor por críticos da cidade moderna, como Lewis Munford e Jane Jacobs, ainda
na década de 50 nos EUA, a crescente
organização das cidades em unidades
autárquicas com acesso por meio de automóveis, cercadas e vigiadas, como
condomínios fechados, hipermercados
e shopping centers, tem levado a um
processo de abandono das ruas como
espaço público e de decadência do seu
comércio e lazer, vitais para a cidade e
para a qualidade de vida urbana.
A morte dos cinemas de rua é um dos
resultados mais graves desse processo.
Embora nos últimos anos o número de
salas tenha se elevado significativamente em São Paulo, em decorrência do aumento das salas multiplex nos shoppings, é notável o encerramento das atividades dos cinemas que se abrem diretamente para as calçadas ou localizados
nas galerias tradicionais.
Cinemas que fazem parte do patrimônio histórico e arquitetônico da cidade,
como o Art Palácio, Metrópole, Marrocos, Copan e Paissandu, obras de grandes arquitetos como Rino Levi, foram
fechados acompanhando a decadência
do centro de São Paulo. As poucas salas
que resistiram na região exibem filmes
pornográficos; muitas viraram igrejas e
outras permanecem vazias, talvez
aguardando alguma ação do poder público para reverter um processo que, pelas vias do mercado, é inevitável.
O processo de fechamento não se limita ao centro. Com raríssimas exceções, os cinemas de bairro encerram as
atividades. Agora a decadência já atinge
em cheio a região da Paulista e da Augusta, último baluarte dos cinemas de
rua e galeria. Na Augusta, muitos já haviam sido fechados décadas atrás. Os
que resistiam exibem (ou exibiam) filmes do chamado circuito de arte, alternativos à hegemonia hollywoodiana na
distribuição. Já fecharam os cines Astor,
Alvorada 1 e 2 e os três Gazetas; outros
estão ameaçados, como o Cinearte e o
Belas Artes.
A decadência desses cinemas leva à
morte da própria rua. É o que se tem verificado no entorno do Belas Artes, no
topo da Consolação, que nos anos 80
era um dos "points" mais movimentados da cidade e que agora é um trecho
fantasma. A desertificação das ruas gera
medo, insegurança e violência. Por outro lado, a abertura do Espaço Unibanco recuperou seu entorno, criando
oportunidades para o comércio da rua.
Cinemas geram movimento e vida, que
extravasam para as ruas.
Com base nesse diagnóstico, propus a
isenção de impostos municipais para os
cinemas de rua, mediante contrapartidas que permitam colocar em prática
uma política municipal de apoio ao cinema, dentre as quais:
Os cinemas beneficiados devem dar à
prefeitura uma quantidade de ingressos
equivalente a 110% do valor da isenção
concedida, para uso de estudantes e
professores da rede municipal e de jovens e idosos participantes de programas sociais voltados à inclusão cultural;
Agora a decadência já atinge em cheio a região da Paulista e da Augusta, último baluarte dos cinemas de rua e galeria
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Os cinemas beneficiados devem exibir
no mínimo 30% mais filmes nacionais
do que estabelece a lei federal, e, dentre
estes, no mínimo 20% devem ser documentários de longa-metragem;
A celebração de parcerias entre as
subprefeituras e os cinemas em de projetos de recuperação urbanística do entorno das salas beneficiadas.
A concretização desse projeto trará
ganhos para todas as partes envolvidas.
Diferentemente de outros tipos de isenção, a prefeitura estará ganhando, pois
receberá em ingressos um valor superior ao que deixa de receber, podendo
implantar um necessário programa de
inclusão cultural e formação pública na
área do cinema. Ressalte-se que, hoje, o
preço do ingresso exclui a maioria dos
paulistanos do acesso a esse lazer.
A produção nacional, incluindo os
documentários, ampliaria suas oportunidades de exibição e poderia ganhar
um público que, hoje, por incapacidade
econômica e por falta de hábito, não frequenta cinemas. Finalmente, nesse círculo virtuoso, os cinemas de rua, que
hoje têm uma alta capacidade ociosa,
poderiam ter uma ocupação plena, com
redução dos custos, e colaborar na recuperação urbanística do entorno.
O apogeu da Cinelândia paulistana
deu-se nos anos 50, quando São Paulo
completou o seu quarto centenário. Naquela época, todos os cinemas se localizavam nas ruas ou nas galerias. Nesse
contexto inaugurou-se o Cine Marrocos, uma jóia do patrimônio arquitetônico, com 1.400 lugares, que hoje está fechado, sem uso. A reabertura do Cine
Marrocos, no seu 50º aniversário e nos
450 anos de São Paulo, será um presente
para a cidade. Talvez uma sala popular,
com ingressos gratuitos, utilizada por
jovens que nunca foram ao cinema.
Nabil Georges Bonduki, 48, arquiteto e urbanista, é professor de arquitetura da USP e vereador, pelo PT, no município de São Paulo.
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