São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2007

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O legado de Franco Montoro

FERNANDO LEÇA


Talvez nenhum político brasileiro tenha sido capaz de verbalizar tão bem quanto ele o sentimento da latinidade


"P ARA A América Latina, a opção é clara: integração ou atraso." A frase, de André Franco Montoro, traduz a sua percepção aguda da realidade de seu tempo e explica a incessante pregação e efetiva ação a serviço desse objetivo ao longo de sua vida pública.
Talvez nenhum político brasileiro tenha sido capaz de verbalizar tão bem quanto ele o sentimento da latinidade e, mais que isso, empenhar-se tão vivamente para a consecução da integração regional, causa para a qual arregimentou adeptos, aqui e em vários países latino-americanos, alguns deles já seus companheiros em uma tarefa mais precoce, na disseminação do ideário democrata-cristão e no fortalecimento dessa corrente política.
Essa vertente da ação de Montoro justificaria, por si só, a homenagem que o Memorial da América Latina, em parceria com o Centro de Pesquisa e Documentação da FGV-RJ e da PUC-SP, vai lhe prestar neste mês e ao longo do próximo. No contexto e a serviço da causa integradora, foi Montoro quem inspirou a criação do próprio memorial, idéia depois materializada por Orestes Quércia, seu vice e sucessor no governo de São Paulo. Foi ele, também, o criador e animador do Ilam, centro efervescente de idéias e de debates sobre a realidade latino-americana.
Foi ele, ainda, o mentor intelectual do preceito inserido na Constituição de 1988, em seu artigo 4º, nos seguintes termos: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações". Existem, todavia, outras fortes razões para lembrar Montoro: sua obra e atividade docente na área do direito, suas realizações como governador de São Paulo e ministro, sua militância e ação política desde a juventude, começando como vereador, depois deputado estadual (foi presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo), deputado federal e senador.
E há, sobretudo, a razão maior de seu exemplo, como um político ético, seguidor inflexível e vigilante de princípios; como o administrador probo e austero que restaurou as finanças públicas do Estado; como líder carismático, mas conseqüente e sóbrio; como aglutinador de inteligências e lideranças em torno de grandes causas, entre as quais lembramos a campanha nacional pelas diretas; como um democrata convicto e em tempo integral, adepto da democracia participativa, que entendia ser importante, mas insuficiente, o conceito de democracia representativa; como mandatário que exercia sua autoridade sem autoritarismo, delegando e compartilhando o poder, que pregava e exercia de fato o princípio da descentralização, fortalecendo o papel da célula administrativa do município, ao qual transferia tarefas e recursos; que valorizou os órgãos colegiados de planejamento e decisão, criando conselhos de representação e participação dentro do governo e na sociedade civil.
Esse é o exemplo que se deseja revivescer num momento tão difícil da vida nacional. Em tempos de apagão aéreo e moral, de descompromisso com o interesse público ou mesmo de incontinências verbais, à beira do deboche, é bom trazer à lembrança da sociedade exemplos de homens públicos como Montoro e outros mais.
Há poucos dias, em palestra-almoço da ADVB, o governador Luiz Henrique da Silveira, de Santa Catarina, situou com muita felicidade esse contraponto quando falava sobre o quadro atual do país. Montoro é um símbolo do homem público, dizia ele, acrescentando que estamos precisando de alguns Montoros e Ulysses. Os depoimentos colhidos e que serão logo conhecidos constituem uma quase unanimidade nesse sentido, somando-se a outros retirados de discursos, artigos, livros e outras publicações sobre Montoro.
A homenagem que se realiza na próxima segunda-feira, dia 16, no Memorial da América Latina, traz ao debate um pouco da história recente de São Paulo e do Brasil, como as Diretas-Já, a eleição de Tancredo e, afinal, a retomada da democracia plena, que não se pode ver ameaçada.

FERNANDO LEÇA, 66, advogado, é presidente da Fundação Memorial da América Latina. Foi deputado estadual em dois mandatos (o primeiro deles no período de governo de Franco Montoro), chefe da Casa Civil do Estado de São Paulo (governo Mário Covas) e secretário do Emprego e Relações do Trabalho (gestão Alckmin).

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