São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O boné e a garrafa

JORGE BORNHAUSEN

As fotos podem dispensar palavras, mas o flagrante da Primeira Página da Folha de ontem reclama uma reflexão. Mostra -e assim foi a interpretação generalizada que ouvi no Senado- que o MST, seus líderes e até seu preposto, o próprio ministro do Desenvolvimento Agrário, não apenas tornaram refém o presidente da República, como decidiram provocá-lo com a pior das provocações, a ironia.
Bem que o sr. Stedile, o desabusado e grosseiro chefe do MST, já havia avisado. Mostrando que despreza a lei e princípios éticos, já havia se recusado a considerar aspectos morais e legais do fato de o Ministério do Meio Ambiente pagar passagens aéreas -como foi flagrado documentalmente- para suas viagens de proselitismo através do país. Com seu desprezo de revolucionário confesso, que faz questão de desmoralizar as instituições e as utiliza apenas para receber dinheiro para suas ações violentas e ilegais, o sr. Stedile considerou "frescura" qualquer cobrança por suas crescentes afrontas à lei e ao direito.


O MST não respeita nada nem ninguém e usa e abusa da aliança com o presidente da República


Certamente o sr. Stedile também acha "frescura" o respeito protocolar que todos os brasileiros, até seus adversários políticos, dispensam ao presidente da República, em quem reconhecem o legítimo mandatário do poder. Caso contrário, não teria montado a cena, com requintes de ironia, estampada na foto.
O MST não respeita nada nem ninguém e usa e abusa da aliança com o presidente da República, cobrando seus dividendos no governo Lula não em soluções para a questão agrária, mas em capitulações perigosas da autoridade e da imagem presidenciais.
Levar o presidente da República a usar o boné de um movimento que vai na contramão das regras constitucionais que o elegeram e lhe asseguram o poder seria apenas uma brincadeira, se não fosse uma temeridade. Primeiro, pela contradição em si. Segundo, pelos efeitos morais que tal intimidade (para o sr. Stedile é submissão) acarreta ao chefe de governo que tem sua âncora econômica numa atividade, o agronegócio, de que o MST não apenas discorda, mas quer destruir, pois considera uma forma criminosa e contrária aos interesses nacionais de exploração da terra. Terceiro, por atingir a todos nós, que apoiamos ou fazemos oposição ao governo, mas não deixamos de reconhecer sua legitimidade. Uma "frescura", para o sr. Stedile...
"O boné da insensatez", como ficou marcado o primeiro episódio que caracterizou essa estranha relação de submissão do presidente da República ao MST, está superado como imagem. Agora que bateu seus recordes de invasões violentas, desafiando a ordem pública de que o próprio presidente Lula é fiador perante a nação (no primeiro semestre de 2004, foram 230 invasões, contra 222 em todo o ano de 2003), o MST decidiu ir além do boné. A intenção é comprometer, arrastar o presidente para o terreno do desrespeito, já que, para o sr. Stedile e seu grupo, tudo, principalmente a lei, é "frescura".
Resta à sociedade civil organizada -a que o PT sempre apelava e da qual agora se esqueceu, talvez porque tenha mudado de teóricos- enfrentar com seriedade o significado do aumento de 96% das invasões do MST e o comportamento debochado dos seus líderes, que não estimam nem respeitam seus aliados com responsabilidade do exercício do poder constitucional.
Não tenho dúvidas de que, além de considerar "frescura" os princípios e instituições republicanas -segundo sua linguagem, "instrumentos da dominação burguesa"-, o Sr. Stedile é, além de revolucionário que reclama sangue e ódio, um megalômano que imagina estar fazendo lances de xadrez para um xeque-mate no seu próprio sistema de alianças. Caso contrário, respeitaria e honraria o presidente da República, que paga com juros sua ajuda na campanha eleitoral, entregando-lhe um ministério e até usando o boné da sua organização.

Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).


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