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CARLOS HEITOR CONY
Lembrança de Darcy
RIO DE JANEIRO - Psicólogos de
diversos tamanhos e feitios garantem que cada um tende a admirar
pessoas e coisas diferentes de nós e
das nossas. Acho que não é verdade,
mas sempre admirei o finado senador e acadêmico Darcy Ribeiro na
sua capacidade de perceber o cheiro
das mulheres da Namíbia, lá do
outro lado do Atlântico, que o meu
amigo Alberto da Costa e Silva
chama de rio a separar dois
continentes.
Explica-se: Darcy morava em Copacabana, ali pela altura do Posto 5.
Acordava e sorvia o ar que vinha do
oceano. E jurava que sentia o cheiro
das mulheres de lá, o bodum das negras queimadas e suadas pelo rigor
do sol africano. Não sei se ele se excitava com tal sorvo, tratava-se de
um ilustre antropólogo, que sabia
das coisas.
Quando soube disso, tratei eu
próprio de aspirar fortemente, o
nariz voltado para a África tão distante. Enchi os pulmões, sorvi em
largas poções o ar que me circundava, não senti cheiro nenhum, a não
ser o de uma elevatória de esgoto.
Bem, além de antropólogo, Darcy
era poeta, via e sentia coisas que me
são vedadas. Houve aquele santo
confessor que era muito popular
entre os penitentes. Os fiéis o procuravam para ouvir seus pecados.
Outros confessores reclamavam, ficavam às moscas nos confessionários, não davam ibope. Perguntaram ao santo qual era o seu segredo,
e ele respondeu modestamente:
"Eu sei ouvir".
Acho que o meu problema em relação ao Darcy é que, entre outras
qualidades que me faltam, não sei
cheirar. Lembro Napoleão, que, ao
escolher auxiliares civis ou militares, dizia preferir aqueles que tivessem nariz grande, capazes de maior
absorção de cheiros. Daí talvez a expressão: "Isso não me cheira bem".
Antigo senador, Darcy talvez sentisse que o Senado atual não está
cheirando bem.
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