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JOSÉ SARNEY
O neopopulismo
Em 1988, eu era presidente
da República e Michel Rocard,
primeiro-ministro de Mitterrand. Dele recebi com generosa dedicatória um livro, "Le
Cur à l'Ouvrage", que podemos traduzir como "amor a
uma causa". Tratava justamente de um tema que já
àquele tempo aflorava: a morte da democracia representativa, com o enfraquecimento
das instituições intermediárias entre o povo e a constituição do governo democrático.
Sustentava ele que a tecnologia transformara a mídia em
espaço público e passara a
exercer o poder que tinha sido
do Parlamento. A mídia, pouco a pouco, ocupara o lugar
dos partidos políticos, definidos como grupos de pressão
que não desejam influenciar o
governo, e sim exercê-lo.
Agora, 20 anos depois, vejo
num dossiê do Observatoire
de la Démocratie de 2007 o
mesmo Rocard tratando do
mesmo tema, já com o avanço
das comunicações em tempo
real. Ele acrescenta um dado
atual a suas ideias: sem os líderes carismáticos que caracterizavam o velho populismo,
nasceu um novo populismo
mediático, que explora a defesa dos valores nacionais contra aqueles que ele, neopopulismo, escolhe como responsáveis pelas crises e perdas
dos comportamentos morais,
corrupção e elites ilegítimas
que exploram o povo.
Este novo caminho adota
uma mensagem forte de soluções fáceis para problemas
impossíveis de resolver a curto
prazo. É o que vemos com frequência todos os dias.
Diz Rocard que o neopopulismo prescinde de partidos
políticos, crenças religiosas,
sindicatos e sociedade civil organizada, porque é a mídia
que exerce esse papel, que
não precisa daquelas instituições porque "reduz o conteúdo da mensagem política a
uma imagem minimalista, ou
à emoção, à sedução e à manipulação dos efeitos retóricos
que ocupam o lugar central".
Poucos formadores de opinião pública são atores desse
processo, sem obrigação de
nenhuma delegação do povo,
e usam os mesmos argumentos do velho populismo. Basta
ver os programas policiais de
retumbante sucesso.
A atual eleição pode oferecer farto material para um estudo mais aprofundado dessa
evolução da democracia representativa. Ela está moribunda, os partidos não funcionam e os atores dependem dos
novos meios de comunicação
de massa, que usam mais a
emoção que a razão. Como debater ideias nos 140 caracteres
de um tweet?
Acrescente-se a tudo isto
que a eleição foi capturada pelo sistema eleitoral, que exerce tutela sobre a vontade do
povo. O destino da democracia merece uma pergunta:
Quo vadis? Calculo a cara dos
barbudos ingleses que a inventaram no século 13, tempo
do rei João.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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