São Paulo, Sexta-feira, 13 de Agosto de 1999
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VÁCUO PERIGOSO

Tantos são os problemas de governo, é tão aguda a crise do Estado, e tão disseminada é a imagem de inapetência governatícia do Planalto que se tornou nada difícil posar de estadista. Líderes políticos sentem-se à vontade para sacar do bolso pacotes mal-amanhados de soluções de jaez populista. Assim, tais figuras tentam ocupar o ao menos aparente vácuo de poder com soluções e projetos que, curiosamente, dormitaram tanto tempo em suas mentes ora tão ativas e solícitas. Destaque-se, a propósito, o óbvio caso do presidente do Congresso, Antonio Carlos Magalhães.
O mais recente surto desse período de elucubrações do senador foi a sugestão, oferecida de maneira algo sensacional, de que é preciso tomar medidas para contornar o pagamento de precatórios. Isto é, daquelas dívidas que os governos são obrigados a pagar por determinação irrecorrível da Justiça. De fato, trata-se de problema gravíssimo, por vários motivos.
O Estado de São Paulo tem uma dívida decorrente de precatórios de R$ 5,6 bilhões. Argumenta-se que parte dela tem origem duvidosa, pois teria resultado, por exemplo, da cobrança de indenizações estranhamente altas. De todo modo, a falta de pagamento faz com que o governador paulista tenha contra si mais de 600 pedidos de intervenção no Supremo Tribunal Federal. Se o STF aceitar tais pedidos, o presidente da República terá de intervir em São Paulo. Está-se entre a hecatombe financeira e a crise política ou até institucional.
O senso de oportunidade de ACM fez esse tema ferver, com o que o senador atropelou Covas e o Planalto, que estudavam formas de resolver a questão. Não se sabe se o caso dos precatórios terá agora encaminhamento melhor, mas ACM deu outro passo no caminho de sua tentativa de plasmar a imagem de homem que faz, contraposta à de um governo que patina na inércia, não importa qual seja a base real desses rótulos.
Parece, pois, tratar-se simplesmente da estratégia, por parte de ACM, de se descolar do governo e, ao mesmo tempo, apregoar dons de realizador e estadista preocupado, em oposição à ora cadente figura de Fernando Henrique Cardoso. Assim, o senador e seu partido procuram reter os benefícios de estar no poder e evitar seu ônus mais pesado. Resta saber se a opinião pública ainda vai aceitar esse jogo, do qual o PFL parece se valer desde o fim do regime militar.


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