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BORIS FAUSTO
O mito cubano
Por que amplos setores da esquerda latino-americana continuam a apoiar o regime castrista, condenado pela esquerda européia de diferentes matizes? Por que, especificamente, o atual governo brasileiro revela um carinho, cercado de tantos
cuidados e atenções, pela ditadura cubana?
Entre outras razões, a resposta me
parece estar no fato de que a revolução
cubana, dadas as características ideológicas e materiais da América Latina,
gerou um mito político. A essência do
mito contém uma história fabulosa,
que começa no desembarque do
Granma, em 1956, e termina com a entrada triunfal dos guerrilheiros em
Havana (1959). Essa história fantástica
-o triunfo de uma revolução que se
supunha portadora dos ideais de justiça social e igualdade, num continente
marcado por profundas injustiças
materiais e morais- calou fundo no
mundo e, sobretudo, na América Latina. Tanto mais que o êxito revolucionário ocorreu nas barbas dos Estados
Unidos; o "imperialismo ianque" parecia mesmo não passar de um tigre
de papel, como diziam os chineses de
Mao.
Depois do triunfo, damos de frente
com uma dura realidade. Castro instalou na ilha, passo a passo, um regime
ditatorial, proibindo a livre manifestação do pensamento, prendendo e torturando não só os inimigos como
também os divergentes. A lista dos
perseguidos por razões políticas, por
"comportamento desviante", por
mesquinhas perseguições pessoais é
bem conhecida.
No plano externo, depois de encantar parte da esquerda latino-americana com as ilusões da "exportação revolucionária", Castro aderiu ao bloco
soviético em troca de favores para o
açúcar e da importação subsidiada de
petróleo. Permitiu a instalação da plataforma de mísseis em Cuba, que levou o mundo à beira de uma catástrofe nuclear, em 1962; apoiou a intervenção de Brejnev no Afeganistão e, bem
pior do que isso, o esmagamento da
Primavera de Praga pelos tanques soviéticos.
É certo que uma política estúpida
dos Estados Unidos, dando ouvidos
ao pior setor dos exilados cubanos,
concorreu para a satelização. A fracassada invasão da ilha é um exemplo gritante, assim como o embargo econômico. Este serviu como mais uma justificativa para o governo cubano perpetuar a ditadura, não obstante o fato
de que o bloqueio fosse furado pelos
investimentos europeus e pela intensificação do turismo.
Os defensores da ditadura cubana
exibem, como trunfo, os êxitos sociais
no plano da saúde e da educação. Êxitos reais, embora, no terreno educativo, quando tanto se fala em qualidade,
caiba perguntar se a doutrinação política, sem alternativas, constitui índice
de educação adequada. Não faltam
exemplos de gente que ascendeu culturalmente com a revolução, mas tratou de abandonar a ilha, levada por razões que, muitas vezes, não são materiais.
A pergunta crucial é, porém, a seguinte: estamos condenados, na América Latina, a embarcar no caminho
das ditaduras, aceitando e até aplaudindo suas barbaridades como inevitáveis, para melhorar deprimentes indicadores sociais? Ou temos o direito
de acreditar na compatibilidade entre
justiça social e democracia, e assim lutar por esse caminho?
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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