|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Entre a lei e a barbárie
GILBERTO BARBOSA FIGUEIREDO
Um dos primeiros pressupostos para existir a democracia em plenitude é a formação de um senso geral de respeito à lei
TENHO BATIDO em uma tecla,
repetidamente, desde que assumi a presidência do Clube Militar: o grave perigo a que se expõe o
Brasil com o sistemático desrespeito
à lei que temos acompanhado, nos últimos tempos, por segmentos cada
vez mais numerosos de nossa sociedade. Mesmo correndo o risco de me
tornar repetitivo, me sinto compelido
a voltar ao tema.
Muito se tem falado, com justificável orgulho, de nossas recentes conquistas democráticas. Mas a democracia não nasce espontaneamente,
como dádiva concedida a um povo. É,
ao contrário, conquista amealhada no
dia-a-dia, por meio, principalmente,
de sua prática honesta e constante.
Tem de figurar nos diplomas legais,
por certo, mas, acima de tudo, tem de
estar na consciência dos cidadãos.
E um dos primeiros pressupostos
para que exista em plenitude é a formação de um senso generalizado de
respeito à lei. Isso, infelizmente, não
tem sido uma das preocupações prioritárias dos habitantes deste país.
Três aspectos, hoje, chamam a
atenção no endêmico pouco caso com
a lei que se instalou entre os brasileiros: nosso próprio comportamento,
procurando "jeitinhos" para burlar
responsabilidades e obrigações; o
procedimento aético de considerável
parcela das autoridades constituídas;
e a absoluta e absurda liberdade de
ação dos chamados "movimentos sociais" para a prática de crimes.
Quanto ao primeiro aspecto, há a
considerar o proceder um tanto
egoísta do brasileiro. É o primeiro a
criticar o governo ou o parlamentar
acusado de ter recebido o mensalão,
mas não tem a menor dor de consciência em valer-se de uma "esperteza" para conseguir alguma vantagem
pessoal. Acha normal praticar pequenos delitos. Falta o rigor consigo mesmo, que os militares aprendem a cultivar desde os bancos escolares.
Quanto ao comportamento de algumas autoridades, pouco há a acrescentar ao que exaustivamente tem sido publicado nos meios de comunicação. No lugar de exemplos, temos visto as mais deploráveis manifestações
de descaso com o bem comum. As autoridades que tinham, por obrigação
funcional, de velar pela obediência
aos preceitos legais, não têm o menor
acanhamento em buscar ganhos pessoais, ao arrepio da ética.
A mais escandalosa, a mais inacreditável prática constante de atos ao
arrepio dos direitos constitucionais é
praticada pelos autodenominados
movimentos sociais. É a exacerbação
do pouco caso com a lei. E tudo mais
incompreensível fica ao constatarmos que os fatos são consentidos pelos governantes, no mínimo, por
omissão. Isso quando o poder público
não chega até a incentivar e financiar.
Não é crível que, em um país civilizado, sejam admitidos impunemente
atos como invasão de propriedades
alheias, depredação de bens -públicos ou privados-, seqüestros de pessoas, interdição de rodovias etc., delitos que nos acostumamos a ver na imprensa, atribuídos aos ditos sem-terra. Resta, ainda, a ação absolutamente
irresponsável de seus líderes, estimulando esses atos ilegais, pregando
abertamente o crime.
Todo esse conjunto de atividades
ilícitas seria, por si só, extremamente
grave. Mas, para nossa estupefação, a
coisa não pára por aí. Há muito, o
MST e suas lideranças acrescentaram, publicamente, outras demandas
à da reforma agrária, que, inicialmente, mascarava suas reais intenções.
E começou a se tornar notório um
organismo espúrio, mas bem estruturado e financiado com recursos abundantes. Vinculado, segundo repetidas
denúncias, a outras entidades guerrilheiras de países sul-americanos. Disposto a pregar a subversão da ordem
em nosso próprio território.
As pregações ao desrespeito à lei e à
ordem, antes camufladas, agora surgem às escâncaras, haja vista a bazófia
de um de seus líderes em uma das
muitas arruaças, ao afirmar que a luta
contra os proprietários de terra é fácil, pois conta com 23 milhões da "luta camponesa", contra 27 mil fazendeiros em todo o país.
Nossas conquistas democráticas
precisam e devem ser preservadas.
Afinal, não foi sem muitos sacrifícios
que alcançamos nossa estabilidade
política. E, para tanto, exigirmos o
respeito à lei parece um bom começo.
Não resta dúvida de que é hora de
reagirmos, utilizando todos os meios
de que possamos dispor, as conversas
com amigos, as cartas aos jornais, a
internet, mas, principalmente, as urnas. Hora também de tomarmos
consciência de que nosso próprio
comportamento faz diferença. Que a
lei é para todos, inclusive para nós
mesmos. É uma cruzada que, embora
difícil, vale a pena ser iniciada. É algo
que merece nossa mais profunda reflexão. Mesmo porque, com qualquer
outra alternativa, estaremos correndo o risco de cair na "Lei da Selva".
GILBERTO BARBOSA FIGUEIREDO, 68, é general-de-exército da reserva e presidente do Clube Militar.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Gerald Thomas: A tragédia dessas nações
Índice
|