São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Entre a lei e a barbárie

GILBERTO BARBOSA FIGUEIREDO

Um dos primeiros pressupostos para existir a democracia em plenitude é a formação de um senso geral de respeito à lei

TENHO BATIDO em uma tecla, repetidamente, desde que assumi a presidência do Clube Militar: o grave perigo a que se expõe o Brasil com o sistemático desrespeito à lei que temos acompanhado, nos últimos tempos, por segmentos cada vez mais numerosos de nossa sociedade. Mesmo correndo o risco de me tornar repetitivo, me sinto compelido a voltar ao tema.
Muito se tem falado, com justificável orgulho, de nossas recentes conquistas democráticas. Mas a democracia não nasce espontaneamente, como dádiva concedida a um povo. É, ao contrário, conquista amealhada no dia-a-dia, por meio, principalmente, de sua prática honesta e constante. Tem de figurar nos diplomas legais, por certo, mas, acima de tudo, tem de estar na consciência dos cidadãos.
E um dos primeiros pressupostos para que exista em plenitude é a formação de um senso generalizado de respeito à lei. Isso, infelizmente, não tem sido uma das preocupações prioritárias dos habitantes deste país. Três aspectos, hoje, chamam a atenção no endêmico pouco caso com a lei que se instalou entre os brasileiros: nosso próprio comportamento, procurando "jeitinhos" para burlar responsabilidades e obrigações; o procedimento aético de considerável parcela das autoridades constituídas; e a absoluta e absurda liberdade de ação dos chamados "movimentos sociais" para a prática de crimes.
Quanto ao primeiro aspecto, há a considerar o proceder um tanto egoísta do brasileiro. É o primeiro a criticar o governo ou o parlamentar acusado de ter recebido o mensalão, mas não tem a menor dor de consciência em valer-se de uma "esperteza" para conseguir alguma vantagem pessoal. Acha normal praticar pequenos delitos. Falta o rigor consigo mesmo, que os militares aprendem a cultivar desde os bancos escolares.
Quanto ao comportamento de algumas autoridades, pouco há a acrescentar ao que exaustivamente tem sido publicado nos meios de comunicação. No lugar de exemplos, temos visto as mais deploráveis manifestações de descaso com o bem comum. As autoridades que tinham, por obrigação funcional, de velar pela obediência aos preceitos legais, não têm o menor acanhamento em buscar ganhos pessoais, ao arrepio da ética.
A mais escandalosa, a mais inacreditável prática constante de atos ao arrepio dos direitos constitucionais é praticada pelos autodenominados movimentos sociais. É a exacerbação do pouco caso com a lei. E tudo mais incompreensível fica ao constatarmos que os fatos são consentidos pelos governantes, no mínimo, por omissão. Isso quando o poder público não chega até a incentivar e financiar.
Não é crível que, em um país civilizado, sejam admitidos impunemente atos como invasão de propriedades alheias, depredação de bens -públicos ou privados-, seqüestros de pessoas, interdição de rodovias etc., delitos que nos acostumamos a ver na imprensa, atribuídos aos ditos sem-terra. Resta, ainda, a ação absolutamente irresponsável de seus líderes, estimulando esses atos ilegais, pregando abertamente o crime.
Todo esse conjunto de atividades ilícitas seria, por si só, extremamente grave. Mas, para nossa estupefação, a coisa não pára por aí. Há muito, o MST e suas lideranças acrescentaram, publicamente, outras demandas à da reforma agrária, que, inicialmente, mascarava suas reais intenções.
E começou a se tornar notório um organismo espúrio, mas bem estruturado e financiado com recursos abundantes. Vinculado, segundo repetidas denúncias, a outras entidades guerrilheiras de países sul-americanos. Disposto a pregar a subversão da ordem em nosso próprio território.
As pregações ao desrespeito à lei e à ordem, antes camufladas, agora surgem às escâncaras, haja vista a bazófia de um de seus líderes em uma das muitas arruaças, ao afirmar que a luta contra os proprietários de terra é fácil, pois conta com 23 milhões da "luta camponesa", contra 27 mil fazendeiros em todo o país. Nossas conquistas democráticas precisam e devem ser preservadas.
Afinal, não foi sem muitos sacrifícios que alcançamos nossa estabilidade política. E, para tanto, exigirmos o respeito à lei parece um bom começo.
Não resta dúvida de que é hora de reagirmos, utilizando todos os meios de que possamos dispor, as conversas com amigos, as cartas aos jornais, a internet, mas, principalmente, as urnas. Hora também de tomarmos consciência de que nosso próprio comportamento faz diferença. Que a lei é para todos, inclusive para nós mesmos. É uma cruzada que, embora difícil, vale a pena ser iniciada. É algo que merece nossa mais profunda reflexão. Mesmo porque, com qualquer outra alternativa, estaremos correndo o risco de cair na "Lei da Selva".


GILBERTO BARBOSA FIGUEIREDO, 68, é general-de-exército da reserva e presidente do Clube Militar.

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