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MARCOS NOBRE
Balzac e
o Nobel
MUITO SE discutiu sobre se
Obama merecia ou não o
Prêmio Nobel da Paz.
Acho que esse prêmio tem pouca
coisa que ver com merecimento. É
política mesmo. E são políticas as
razões da premiação.
O momento é de transição. A liberalização econômica dos últimos
30 anos primeiro minou a base do
antigo bloco soviético. A partir de
1989, juntou-se ao rótulo "globalização" para prolongar de maneira
artificial a Guerra Fria em favor da
supremacia dos EUA. Até o limite
brutal do governo de George W.
Bush e de uma crise econômica como há muito não se via.
Muita gente pensa a transição
atual por analogia à transformação
do início do século 20, quando a Inglaterra perdeu progressivamente
o lugar de potência hegemônica em
favor dos EUA. O enfraquecimento
do dólar seria o indício mais claro
de que um substituto já estaria à
vista. Ou pelo menos seria indício
de que os EUA deixariam sua posição de supremacia em favor de um
novo multilateralismo. O problema é saber quem seria esse substituto (as bolsas de apostas dão a
China como favorita). Ou quais seriam os países em condições de
participar desse cartel multilateral
do poder mundial.
Nesse ponto, talvez só mesmo
Balzac possa ajudar. Lá da primeira
metade do século 19 vem a digressão registrada em seu romance "A
Falsa Amante": "Digamos de passagem que a Polônia poderia conquistar a Rússia pela influência de
seus costumes em lugar de combatê-la pelas armas, imitando os chineses, que acabaram chinesizando
os tártaros e que chinesizarão os
ingleses, como se deve esperar".
Essas esperanças francesas de
Balzac foram frustradas, e os ingleses acabaram vencendo os chineses pelas armas em 1842. A Inglaterra tornou-se a principal potência mundial da época. E o verbo
"chinesizar" (ou "sinizar") é ocorrência raríssima. Ao contrário de
"americanizar", como se sabe.
Balzac errou, mas estava certo. A
vitória pelas armas é incontestável,
mas a conquista pelos costumes é
essencial a qualquer império. E isso distingue essencialmente a hegemonia dos EUA de qualquer outra. Para além da superioridade bélica, os EUA alcançaram uma hegemonia cultural e civilizatória sem
precedentes. Sua pretensão é a de
universalizar um "way of life". Não
é por acaso que o inglês se tornou
língua franca.
Não existe substituto à vista para
essa hegemonia. Nem a economia
mundial vai conseguir sair da crise
sem que os EUA se recuperem. O
Nobel para Obama é reconhecimento e reafirmação da supremacia dos EUA. Mas com o pedido de
que, se possível, sejam mais delicados no trato.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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