São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

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Batata quente

FALTOU ALGUÉM para defender o contribuinte na reunião entre representantes da cultura e do esporte anteontem no Rio. Como ocorre com freqüência nesses casos, quem não esteve no encontro foi convidado a pagar a conta do desacerto entre as duas partes.
O motivo da mobilização repentina é o projeto de Lei do Esporte aprovado pela Câmara, que aguarda apreciação dos senadores. O texto faculta às empresas financiar atividades desportivas utilizando parte do dinheiro que deveriam destinar ao governo a título de Imposto de Renda.
Trata-se de um mecanismo de renúncia fiscal utilizado há mais de uma década para custear eventos culturais. Ocorre que há limites para as empresas deduzirem patrocínios do IR (4% do tributo devido), limites que o projeto homólogo para o esporte deixa intactos. Daí surgiu a reação de atores, diretores e produtores culturais: perceberam que os esportistas, na verdade, tentam avançar sobre os fundos que têm sido reservados à cultura.
Então resolveu-se fazer uma reunião entre artistas, esportistas e os ministros das duas pastas. Discordaram em tudo, menos quando surgiu a proposta de cobrar a fatura do cidadão que paga impostos no Brasil. Querem aumentar os limites de dedução do IR para 8% -4% para cada setor e não se fala mais nisso.
Diante da oposição que a proposta certamente encontraria na Fazenda encontrou-se nova vítima, depois de uma atribulada sessão de lobbismo ontem no Senado. Um "acordo" na Casa estabeleceu que o esporte não vai mais disputar recursos de renúncia fiscal com a cultura; vai concorrer com o incentivo à inovação científica. O episódio explicita, em microcosmo, como é irracional a resultante da disputa por fundos públicos no país.
Ao feitio da brincadeira infantil da "batata quente", o ônus da grita de artistas bem posicionados foi sendo empurrado até "queimar" um setor desavisado e por ora pouco articulado.
Entre todas as vítimas potenciais dessa brincadeira de mau gosto, castigou-se justamente o setor mais estratégico para o desenvolvimento do país e mais dependente de apoio estatal, que é pesquisa e desenvolvimento.
É preciso restabelecer a racionalidade e o interesse público nesse debate -e urgentemente.


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